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Brasil :Fome Zero e segurança alimentar
- Subject: Brasil :Fome Zero e segurança alimentar
- From: "Nello Margiotta" <animarg at tin.it>
- Date: Sat, 20 Sep 2003 23:18:45 +0200
20 de setembro de 2003 Patrus Ananias (*) Linha Aberta. Brasil, 19 de setembro. Ouvia, na minha infância, o povo do sertão dizer que raça de boi é capim. Parafraseando os meus conterrâneos bocaiuvenses, podemos afirmar que a raça e a dignidade de um povo começam com o direito à comida, primeiro degrau da cidadania. São Tomás de Aquino ensinava que a prática das virtudes cristãs pressupõe o atendimento das necessidades materiais básicas. De barriga vazia e sentindo as tonteiras da fome e da desnutrição, ninguém reza ou pratica a caridade e o amor ao próximo. Vale o mesmo para o exercício das virtudes cívicas, republicanas e democráticas. Não se faz um país sem o povo. E não há povo, no sentido de identidade nacional, cultural e cívica, quando parcelas enormes da população, senão a maioria, transformam-se em bandos errantes em luta pela sobrevivência. Não se faz o Brasil sem brasileiros. O sentimento de nacionalidade e de pátria é vivo e recíproco: a lealdade à pátria exige como contrapartida permanente o cuidado que esta deve a todos os seus filhos e filhas. O objetivo único e final de qualquer planejamento e ação governamental não é um exercício abstrato de instituições perfeitas e de cálculos aritméticos, mas a promoção e elevação de sua gente ao melhor de suas potencialidades e vocação. Não se faz o Brasil com fome. A fome aguda destrói a vida, enquanto a fome crônica mata aos poucos, ao anular o cidadão para a vida em sociedade. O grande brasileiro Josué de Castro, no seu clássico " Geografia da Fome", mostrava que, em 1940, a fome era um fenômeno social localizado basicamente nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. No decorrer dos últimos sessenta anos, entretanto, não resolvemos os problemas daquelas regiões e a carência alimentar se disseminou geograficamente, fruto da perversa combinação da acelerada urbanização, redução do ritmo de crescimento da economia e crescente concentração de renda. Anos depois da denúncia e do apelo de Josué de Castro, outro notável brasileiro, conterrâneo bocaiuvense, Herbert de Souza, o Betinho, tocava as chagas do desacerto nacional. Um dos maiores e mais ricos países do mundo, com uma fantástica extensão de terras produtivas e recursos hídricos, capaz de produzir duas, três safras ao ano, insiste em manter uma parcela ponderável da sua população na miséria e na exclusão, negando-lhe o direito primeiro, elementar e sagrado ao sustento e à dignidade. O Brasil, na verdade, esquivou-se, ao longo de sua história, de desenvolver uma política de segurança alimentar. Este conceito, presente nos fundamentos das políticas estratégicas dos Estados Unidos, União Européia e Japão, consiste em assegurar a cada cidadão acesso à quantidade necessária de alimentos para garantir uma dieta adequada e compatível com os padrões culturais da sociedade, propiciando uma vida saudável, plena e produtiva. E resulta da combinação de políticas relativas a três vertentes: agricultura, abastecimento e alimentação. O governo Lula propôs-se, desde sua primeira hora, a enfrentar o problema, através do Programa Fome Zero, que, depois das dificuldades iniciais, vem ganhando abrangência e mostrando ser muito mais do que um programa de assistência, mas um vetor de reorganização social e econômica. Para acelerar sua consolidação e expansão, é importante que o Programa Fome Zero incorpore experiências regionais que o antecederam. Em nosso mandato à frente da Prefeitura de Belo Horizonte (1993-96), a segurança alimentar foi uma prioridade e se traduziu nos programas Safra e Direto da Roça e na materialização do primeiro restaurante popular do País, que atualmente oferece refeições de qualidade a 5,9 mil pessoas por dia, ao preço de R$ 1,00. Naquelas iniciativas, estavam presentes os mesmos sentimentos que motivaram Betinho em sua cruzada contra a fome, assim como os fundamentos filosóficos que agora norteiam a agenda pública nacional, através do Programa Fome Zero. Em recente visita ao restaurante, reforcei a convicção de que enfrentar a fome é o grande desafio da cidadania. É e será obra de mobilização social e política, para assegurar as bases de produção, distribuição e acesso à segurança alimentar da comunidade. Esta compreensão e esta prática são as contribuições de Belo Horizonte à grande batalha nacional contra a fome. (*) Patrus Ananias é deputado federal (PT-MG) Publicado pelo jornal Estado de Minas em 18/9/2003
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