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Interessante reportage in portoghese sull'Istituto Iterra del MST
- Subject: Interessante reportage in portoghese sull'Istituto Iterra del MST
- From: Serena Romagnoli <md1042 at mclink.it>
- Date: Mon, 03 Jul 2006 09:18:59 +0200
- Resent-date: Mon, 03 Jul 2006 09:20:41 +0200
- Resent-from: Serena Romagnoli <md1042 at mclink.it>
- Resent-message-id: <C0CE9183.6B4E%md1042 at mclink.it>
- Resent-to: Latinoamerica <m.giulianetti at giannimina.it>, Latina <latina at peacelink.it>, Zanchetta Aldo <aldozanchetta at virgilio.it>
2 studenti di giornalismo dell'università di Caxias do Sul visitano l'Istituto Iterra del MST a Veranopolis, RGS Acordei cedo naquela quinta-feira. A manhã de outono já anunciava uma tarde quente. Na rodoviária de Caxias do Sul me encontrei com meu colega de jornalismo, Roberto Dornelles. A nossa viagem a Veranópolis, cidade que fica a 170 quilômetros de Porto Alegre, estava marcada há apenas três dias, mas mesmo assim a ansiedade era grande. Afinal, nosso objetivo na cidade é conhecer a Escola Técnica Josué de Castro do Instituto de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária, o ITERRA, inagurada em 1997 e mantida pelos movimentos sociais, principalmente o MST. A escola, de Ensino Médio, é voltada para atender as necessidades das pessoas que vivem no campo. E por isso, os cursos que são disponibilizados não são como os de uma escola normal. O ITERRA desenvolve programas na área de saúde, administração de cooperativas e magistério. Nossa previsão é chegar na cidade por volta das nove horas da manhã. A paisagem da serra nos comove. O Rio das Antas está coberto por uma densa camada de neblina e não conseguimos enxergar uma gota de água. Além disso, nossos olhos são levados para os despenhadeiros, que tiveram origem com a construção das estradas que cortam os rochedos. Os penhascos são enormes e a sensação é de que o ônibus pode cair a qualquer momento. Nossa ansiedade aumenta quando atravessamos a ponte sobre o Rio das Antas, o que significa que estamos em solo veranense. Mais alguns minutos e chegamos na rodoviária de Veranópolis. O médico Josué de Castro foi escolhido para dar nome a escola por ser o primeiro brasileiro a estudar a fome no Brasil. Seu livro mais conhecido é Geografia da Fome, onde denuncia ao mundo os horrores do flagelo que assola a humanidade até hoje. Finalmente chegamos, depois de duas horas de espera. Em frente ao prédio, uma placa de concreto redonda, não muito grande, está cravada no chão com as iniciais da escola. Atravessamos um portão branco, já enferrujado pelo tempo, e entramos em uma sala. Na parede, um grande cartaz com a foto de Josué de Castro e a frase ³50 anos de Geografia da fome². Uma mocinha simpática anuncia a nossa chegada, estamos a poucos minutos de conhecer a escola que luta contra a escravidão do homem no campo. Diversidade cultural A visita fora marcada há três dias com o seu Antônio Escobar, responsável pelas visitas e pela parte de sistematização da escola. Pensei que seu Antônio seria nosso anfitrião, mas a mesma moça simpática que nos anunciou na chegada, nos informou que Marcelo seria a pessoa que iria nos acompanhar para conhecer a escola. Depois de alguns minutos chega um moço simpático e baixinho com algum problema na boca que dificulta a sua fala, mas nada que impedisse o entendimento das palavras que pronuncia. Marcelo De Ávila Rosa, mais conhecido como Marcelinho, seria nosso guia durante a visita. Marcelinho é de Palmeira das Missões e está na escola desde 2001, onde é um dos coordenadores das políticas pedagógicas do curso de saúde. Ele aparenta ter 35 anos e é, no mínimo, muito querido. Com muito bom humor ele nos leva à Sala dos Educadores para uma primeira conversa. Lá, nos diz que a visita será dividida em cinco partes. Até as 10 horas nos leva para conhecer todas as dependências do prédio. Depois, seu Antônio vem conversar com a gente, juntamente com um grupo fixo de educadores. Às 12hs15mim almoçamos, se quisermos, na companhia deles. Ás 13h30mim vamos conversar com os educadores que vem de fora da cidade e às 14hs podemos entrevistar os educandos. Na sala que abriga a reunião dos educadores há quadros por todos os lados nas paredes. Os quadros representam a vida da escola, são diversos nomes de pessoas que concluíram cursos na instituição. Os nomes são separados pelos estados de onde vieram. Fico impressionada com a quantidade de pessoas de fora do estado que vem estudar na Josué de Castro. Somente pessoas do Amazonas e Acre não vêm para a escola, pois nesses estados o MST não é organizado. Mas, mesmo assim, a diversidade de culturas é impressionante. ³Aqui você pode aproveitar o máximo da cultura brasileira², diz Marcelinho, sorrindo. Além disso, Marcelinho nos informa que estudiosos da educação e intelectuais de países da Europa e América Latina, visitam a escola. ³Somos referência em educação, principalmente na pedagogia², diz entusiasmado. A Josué de Castro é reconhecida pelo MEC. A construção é antiga e, no ano passado, a escola completou 10 anos de funcionamento. O local foi cedido pela congregação dos Capuchinhos de Veranópolis. Por isso, os labirintos são enormes e existem pequenas salas espalhadas por todos os cantos do prédio. Nas paredes, quadros que lembram a luta dos sem-terra e fotos de Sebastião Salgado, praticamente todas doadas pelo próprio fotógrafo. O prédio é escuro, mal iluminado e o frio acompanha a nossa visita, apesar de um lindo sol querer entrar por algumas pequenas janelas abertas. Visitamos todas as 23 unidades que compõem a escola. A organização é exemplar. A manutenção da escola conta com a participação dos educandos que passam parte do dia trabalhando nas unidades. É o que educadores chamam de democracia participativa. Na Unidade de coordenação pedagógica, fica a diretora da escola, Diana Daros, que infelizmente não esta na escola em função de atividades em São Paulo. A coordenação tem reuniões permanentes na Escola Nacional Florestan Fernandes em Guararema, São Paulo. Tivemos o azar de não conversar com a diretora, mas o que nos esperaria mais adiante mostraria ser esse um pequeno detalhe. A escola A escola é mantida por projetos sociais do governo federal, como o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, Pronera. Além disso, a renda também vem do trabalho desenvolvido pelos próprios educandos. A escola tem uma pequena padaria onde são vendidos pães, geléias e biscoitos, todos feitos com produtos naturais. Passamos agora pelo refeitório. O espaço não é muito grande para atender os 110 educandos que hoje estão no ITERRA. As cadeiras são de palhas e as mesas de madeiras estão dispostas lado a lado, como se a cada duas um v se formasse. Existem três turnos para o almoço, pois somente assim todos conseguem comer tranqüilamente. Quando alguém fica doente dentro da escola é imediatamente tratado com ervas naturais extraídas da horta, mas em seguida se o paciente não melhorar ele é levado para o hospital da cidade. A escola possui uma Farmácia equipada com o kit de primeiros socorros. Nas paredes do prédio também são afixados murais com informações sobre a questão agrária e os movimentos sociais. A capitação de notícias é realizada pelos educadores e distribuída aos educandos através dos murais. Além disso, embaixo da primeira escada existe uma casinha de madeira bem pequena. Lá, funciona a rádio interna da escola. A rádio é um meio de comunicação interno, além de embalar com música o trabalho diário. Os educandos também são responsáveis pela programação da rádio.Quase em frente à farmácia existe uma grande biblioteca. São mais de 13 mil títulos. A responsável pelo local é a bibliotecária e também educadora Elaine Tasso, ela é uma moça loira de olhos azuis, acredito que seja descendente de italianos, pelo sotaque. Muito tímida, pede permissão a Marcelinho quando puxo o gravador para entrevistá-la. Mas, Elaine mostra disposição, ela diz que muitos estudantes de outras escolas vêm até a Josué de Castro para ler algum livro que não encontram nas suas bibliotecas. ³Mas a gente não empresta o material para pessoas de fora. Elas podem vir aqui, ler o material, mas não podem levar para a casa. A gente só empresta para os educandos da Josué², explica Elaine. Ela informa, com satisfação, que a biblioteca é toda informatizada e que possui uma seção de vídeo. A maioria do acervo é doada pelos educadores. A Ciranda Depois do primeiro andar, vamos conhecer a ala destinada para as crianças dos educandos. Essa foi a forma que o grupo que coordena a escola encontrou para que os pais pudessem estudar tendo a certeza de que os filhos estariam bem. O local se chama Ciranda Infantil e lá encontramos uma menina de quatro anos, muito simpática e conversadeira. Ela me chama, quer conversar e me mostrar os brinquedos, tenho a impressão de que ela entende a luta que terá que fazer por um pedaço de terra, quando crescer. Mas, ela não perde a alegria, se mostra muito disposta, essa sim, vai dar trabalho aos grandes latifundiários quando resolver reivindicar seus direitos. E essa é a tendência. Na Ciranda Infantil, explica Marcelinho, as crianças entram em contato com a realidade da questão agrária brasileira. ³Eles ainda são pequenos, mas desde cedo é necessário conscientizar², analisa Marcelinho. Distraio-me com a garota quando ouço um choro, um menino prende os dedinhos na porta. Marcelinho sai correndo em seu socorro. Fico tranqüila, não aconteceu nada, apenas os dedinhos ficaram vermelhos.Voltamos a subir as escadas, chegamos a um amplo auditório. Reuniões, conferências, formaturas, eventos e momentos culturais são realizadas no local, apenas me arrependo de não ter perguntado como são as formaturas. Em cada andar existem pequenas salas com cadeiras e classes antigas, bem ao estilo das que eram utilizadas nos colégios das primeiras colônias da serra. Os educandos se encontram nas salas para estudar e fazer os trabalhos que são dados nas aulas. Além disso, as salas servem como espaço para debates quando está chovendo, pois quando o sol brilha, eles preferem discutir e conversar na grama. Durante um intervalo de aula, pudemos conhecer a sala de informática. O local é amplo e abriga computadores antigos. Geralmente a aula de informática é em dupla, pois muitos computadores não funcionam. A cada dia, pelo menos uma máquina apresenta problemas. A unidade agrícola fica próxima à unidade de artesanato, começamos pelo artesanato. Um galpão antigo, sem janelas, onde madeiras velhas servem como porta, é o espaço que os educandos têm para aprender o ofício. No local, encontramos dois adolescentes, eles estão fazendo correntes, brincos e anéis que depois serão vendidos. No andar de cima funciona a oficina de artes plásticas. A sala está repleta de quadros produzidos pelos educandos. Da unidade agrícola é que o grupo tira as verduras e legumes que irão comer no almoço. Alface, brócolis, milho, beterraba, rúcula e tomate são plantados e colhidos no tempo certo para que nunca falte alimento. A área de terra não é grande e não tem espaço para plantar frutas, que poderiam servir de sobremesa. Ao lado da horta, um campo de terra vermelha. O desejo da comunidade escolar é construir um campinho de futebol, mas as condições financeiras estão impedindo que esse projeto se concretize. Voltamos para a escola, pois faltava visitar a cozinha. Lá Dona Nilva prepara o almoço de todos. Ela está há oito meses na escola. Por não estarmos com a roupa adequada: avental e touca branca, não podemos chegar perto de Dona Nilva. Damos meia volta e o cheirinho de comida nos acompanha. Ouvimos soar a campainha, pergunto o que significa. Marcelinho explica: ³São para as turmas, temos três. Dois toques são para a turma A, três para a B e quatro para C. Um toque é para todos². A campainha soa quando é hora do almoço e para avisar a hora da troca de turnos nos postos de trabalho. O ensino Uma das grandes diferenças da Josué de Castro para as escolas normais é a nomenclatura das palavras. Aqui não existe professor e aluno, mas sim educador e educando. A questão levantada pela escola é justamente horizontalizar a relação educador x educando, diferente do que acontece nas escolas regulares, onde o aluno é somente um espectador dos conteúdos repassados pelos professores. Por isso, o método tende a não basear a educação na transmissão e repasse do conhecimento. O ensino é divido em dois períodos que eles chamam de tempo-escola e tempo-comunidade. No tempo-escola os educandos permanecem na instituição por dois meses, período destinado para o aprendizado e a discussões sobre temas da atualidade, como também debates sobre o papel dos movimentos sociais. No período-comunidade, os educandos voltam para os acampamentos ou assentamentos e aplicam os conceitos discutidos e debatidos em sala de aula. O tempo desta etapa é de 90 dias. Os educandos, no período-escola, ficam em sala de aula por seis horas tendo acesso ao conhecimento científico. Depois, eles permanecem mais duas horas nas unidades de trabalho internas. A escola Josué de Castro possui cursos de ensino médio na área de saúde, administração de cooperativas e magistério, este último com várias habilitações. Um convênio com a UERGS possibilita a realização do curso superior de Pedagogia. Além disso, a escola disponibiliza oficinas de arte, música e pintura e a educação de jovens e adultos. Como previsto, começamos a reunião com os educadores às 10 horas. O encontro ocorreu na Sala dos Professores e um café fresquinho nos esperava. Antônio Escobar, mais conhecido como Toni, começou a falar. Ele é de Santana do Livramento e atua na escola desde 2004. A voz calma revela os anos em que passou no seminário, onde, conforme ele, aprendeu muito com a convivência coletiva. Nesse período, cursou a faculdade de Filosofia na Universidade de Pelotas, porém optou por deixar a vida eclesiástica. ³O projeto de vida que a gente vem construindo chegou a um período em que não coincidia mais com a idéia da igreja católica e suas exigências², explica Toni. Faculdade concluída, Toni entrou definitivamente para o MST através de dois irmãos que eram assentados em Livramento. No movimento, começou a atuar no setor de comunicação e depois se integrou ao corpo de educadores da Josué de Castro. O MST e os movimentos sociais vêem na educação uma forma de desenvolver as capacidades individuais de cada um. ³O MST prioriza e investe na educação e cultura por uma questão de concepção, pois acredita que esses dois conceitos são fundamentais para o desenvolvimento humano e social², explica. Além disso, conforme Toni, a democracia participativa é o fator que motiva todo o funcionamento da instituição. ³Todos fazem parte da organização e gestão da escola. Não é somente um grupo que dirigi a escola², diz. Além disso, há uma reunião mensalmente para discutir o planejamento e a discussão de onde serão investidos os recursos. Quando o assunto é mídia a opinião dos educadores é unânime. ³O público é vítima da mídia. Os meios de comunicação apresentam conceitos prontos e as pessoas apenas consomem, sem contextualizar², analisa Toni. Mas, ele explica que, na prática, a visão distorcida que a mídia faz é desmistificada. O educador informa que os próprios integrantes do movimento conversam com as pessoas e apresentam exemplos como a escola técnica Josué de Castro. ³É impressionante, pois as pessoas ficam perguntando: Mas como? Se a rádio e a TV dizem outra coisa? Por isso, a gente tem que utilizar meios próprios para acabar com a visão distorcida do movimento². O MST possui uma revista de circulação nacional e um site na internet. O importante é o aprendizado Sueli Cavalheiro é educadora do curso de magistério. Durante a conversa ela mostrou muita convicção em defender os ideais do movimento, mas demonstrando humildade ao falar de sua origem e de como entrou no MST. Natural de Três Passos, muito cedo foi para Canoas trabalhar em uma fábrica de tecidos. Lá, conheceu o MST e este ano completa oito anos de filiação ao movimento. ³Quando entrei no movimento dos sem-terra, meu objetivo maior era a reforma agrária, mas depois que a gente vai estudando, entende que mais importante ainda é o aprendizado, a educação², analisa. Filha de pequenos agricultores sua, família foi assentada em Eldorado do Sul. Sueli é fruto da primeira turma de Pedagogia formada na escola, através do convênio com a UERGS. Depois de formada começou a dar aulas na Josué de Castro. ³A cada dia as atividades que nos são delegadas é um desafio, pois a gente aprende muito. O aprendizado também vem com os educandos que são de diferentes lugares do país. Para mim é muito importante a atividade que eu desenvolvo², relata. Antes do ITERRA, Sueli já havia ministrado aulas na escola itinerante do assentamento em que vivia. Entende-se por escola itinerante, os espaços educativos, de ensino fundamental, dentro dos acampamentos ou assentamentos. Sueli esclarece que cada vez mais se tentar fechar a escola no campo. Por essa necessidade é que escolas como a Josué de Castro existem, pois, nestes locais, as pessoas podem permanecer em regime de internato. ³Se não tivéssemos essa escola, muitos não estariam estudando. Outros tentariam a sorte na cidade e isso nós sabemos que muitas vezes não dá certo², diz.Soloá Citolim é pedagoga e psicoterapeuta. Trabalhou como professora da rede pública estadual há muitos anos. Moradora de Porto Alegre não é integrante do MST, mas se identifica com a visão de mundo do movimento. Na Josué de Castro, trabalha junto as disciplinas de psicologia e sociologia. E a pedagoga entende que uma grande diferença entre o ITERRA e as escolas normais é justamente o método de ensino utilizado. ³Nas escolas regulares a educação é muito cartesiana. A avaliação é uma relação de poder muito forte que exclui os sujeitos². Conforme Soloá, é importante romper com a lógica do educador como detentor da verdade. Por isso, a avaliação ocorre na observação do educando em todos os espaços educativos. Dessa forma, o professor irá saber se o aluno realmente esta aprendendo. Além disso, na Josué de Castro, os educandos realizam uma monografia para a conclusão do curso. ³Muitos professores da UFRGS vêm nas bancas de monografia e ficam impressionados com os trabalhos², finaliza. Nos estendemos um pouquinho no tempo, é hora de conversar com os educandos que já conversam do lado de fora. Somos avisados para não demorar muito, pois os educandos estão no período de aula. Promessa difícil de ser cumprida. O almoço Chegamos no horário do almoço e uma pequena fila nos esperava em frente ao refeitório. Olho para baixo, chinelos havaianas disputam o chão de parquê. Eles estão em casa. A fila vai aumentando e ao 12h15mim a campainha é tocada uma vez. A primeira turma começa a entrar, entre eles os educadores que haviam conversado com a gente. O almoço é dividido em turnos, a primeira sai da sala de aula às 12h15mim, a segunda às 12h20 e a terceira às 12h25. O cardápio é simples. Alface e brócolis que meu olfato achou amargo, por não estar acostumado a comer as verduras sem agrotóxicos. Arroz, ervilha, purê de batata e carne que um rapaz alto e magro distribuía um pedaço para cada prato. Resolvi pegar somente arroz e purê que estavam gostosos. Sentamos ao lado da Sueli, primeira pessoa conhecida que encontrei na sala. Depois do almoço, resolvemos dar um passeio pela cidade, que conforme o IBGE, possui 20.700 habitantes. Segundo a Organização Mundial da Saúde, Veranópolis é conhecida nacionalmente como a Cidade da Longevidade. Além disso, o município é o berço nacional da maça. Os educandos Marli Malinoski é uma moça simpática e animada de 22 anos. De fala rápida e muitos gestos, nos conta que em Sarandi, local onde é acampada, parou de estudar no primeiro ano do Ensino Médio. ³Quando estava no acampamento não tinha a perspectiva de concluir meus estudos, muito menos sonhar em fazer uma faculdade. Talvez se eu não estivesse no acampamento estaria me prostituindo, essa é a realidade², revela. Marli agora é educanda do curso técnico em saúde e se forma em dois anos. Marli é uma moça inteligente. Diferente de muitos jovens da sua idade que se encontram nas faculdades do país, ela fala sobre o conceito de trabalho e educação que são desenvolvidos na escola. ³A nossa construção de educação perpassa a sala de aula. O trabalho é visto como princípio educativo e nesse sentido é um meio de libertar o sujeito². No tempo-escola os educandos discutem a relação humana do trabalho, além de desenvolver a convivência coletiva e a solidariedade. Conforme Marli, a luta pela reforma agrária é necessária. ³Existe uma idéia de classificar, principalmente pelos meios de comunicação e pela elite, o MST como um movimento terrorista e agressivo², analisa. Além disso, a educanda acredita que somente desapropriar terras para o assentamento não é suficiente. ³É necessário dar condições de vida para aquela população. Fazer um trabalho preventivo de saúde, por exemplo, é um dos meus objetivos quando voltar para o meu acampamento². O trabalho de saúde preventiva que Marli se refere é um projeto que todo o educando deve fazer quando está terminando o tempo-escola para desenvolver com a comunidade. ³O papel do educando é fazer um ponte entre a teoria e a experiência. Dialogar o conhecimento científico com o acúmulo popular é necessário², finaliza. Daniela Santana é mais tímida. Morena, baixinha de olhos castanhos a baiana de Vitória da Conquista carrega o sotaque nordestino. Ela diz que somente na turma de administração de cooperativas, a qual faz parte, existem pessoas de 16 estados diferentes. ³É muito interessante, a gente se depara com muitas coisas contraditórias e depois de um tempo, as particularidades de cada um. Além disso, a gente aprende a respeitar as diferenças², analisa. Daniela explica, que quando é a hora de voltar para a comunidade, o educando não pode chegar com a visão de que sabe tudo. ³O povo também ensina. Há uma troca de experiências². Jonas Pretto está nervoso, por isso, gagueja. Ele tem 20 anos e é filho de assentados em Piratini. A família faz parte de uma cooperativa, na qual todo o trabalho é coletivo. ³Moramos em uma comunidade onde até as refeições são feitas juntas², diz. Na visão de Jonas também há uma diferença muito grande do ensino que é dado na Josué de Castro para as outras escolas. ³Aqui a gente estuda a nossa verdadeira história, não a que é contada e imposta pelos meios de comunicação. Aqui a gente estuda as coisas reais², observa. Estamos chegando perto das 15 horas. Nos estendemos novamente nas entrevistas, mas elas foras significativas e melhor, produtivas. Precisamos nos apressar, nosso ônibus de volta a Caxias do Sul parte daqui a 15 minutos. Apresados, nos despedimos dos educandos e de Toni. Ficou a sensação de que não agradecemos o suficiente pela estadia. Mas, combinamos de marcar encontros futuros, que com certeza pretendemos honrar. Da Finlândia para Veranópolis Na verdade, já havíamos encontrado Pertty Simula durante a nossa visita a escola. Ele vinha correndo por um corredor e quase nos atropelou na porta. Alto, magro e loiro, aparentemente igual a um descente europeu, mas Pertty não só parece, ele é natural da Europa e o português que fala é um pouquinho diferente do nosso. A expressão facial revela uma certa melancolia, porém, é só falar em movimentos sociais, educação e igualdade social, que os olhos se enchem de esperança. Pertty Simula é um lutador e não desiste, ele acredita que a justiça social é uma necessidade e tem convicção de que ela vai ser alcançada. Mesmo não estando todos os dias na Josué de Castro, ele revela verdadeiro amor à escola e aos movimentos sociais. Vindo da Finlândia para o Brasil, em 1983, ele trabalhou na indústria paulista, e neste período, começou a estudar psicanálise. Foi então que Pertty começou a enxergar um outro mundo. O educador conta que resolveu sair da empresa pois não acredita que a concepção capitalista de empregador x empregado não é uma organização saudável de trabalho. ³A grande neurose da população vem da estrutura injusta das relações de trabalho que estão estabelecidas na sociedade², argumenta. Por isso, em 1984, Pertty viajou para os Estados Unidos onde desenvolveu um estudo para resolver a problemática da estrutura do capitalista e apresentar uma forma mais saudável de trabalho para as pessoas. A conclusão chegada foi a de que o cooperativismo seria a solução para os problemas sociais, tirando o cidadão da sua neurose existencial. Depois desse tempo de estudo e conclusões, Pertty voltou ao Brasil onde encontrou o MST e começou a desenvolver os conceitos de empresa cooperativa. Desde então, o psicanalista passou a fazer parte do MST trabalhando em uma cooperativa que faz acompanhamento e assessoria das empresas sociais da reforma agrária do movimento. Veio ao ITERRA de Veranópolis para trabalhar com a questão psicológica, enfocada no fator humano da cooperação. A escola, o MST, e a justiça O método educacional utilizado pelo ITERRA é destacado por Pertty. ³Os educandos fazem parte de todo o processo decisório da escola de forma muito dinâmica e intensiva.² Conforme o psicanalista, esse processo de democracia é tão importante que um grupo de diretores de escolas públicas da Finlândia está com as malas prontas para chegar ao Brasil e conhecer a experiência da Josué de Castro. A idéia é implantar nas escolas de lá o método desenvolvido aqui. Ao falar sobre o MST a empolgação é grande. ³O movimento é revolucionário, pois enxerga que as relações de poder, que existe hoje na sociedade, devem mudar. Eu não vejo, no mundo, nenhum movimento que trabalhe com essa proposta. A alternativa apresentada pelo MST é a democracia participativa direta, que integre a parte socioeconômica e econômica², afirma. A justiça social, para Pertty Simula, não deve ficar só no campo da discussão, ela deve ser feita, pois é uma necessidade. ³A partir do momento em que você pergunta se é possível chegar a justiça, você já coloca empecilhos. O correto é afirmar que ela é necessária. A gente precisa trabalhar para que ela chegue, não importa se for daqui a 10,50 ou mil anos, ela vai chegar², acredita. Bianca Costa é estudante de Jornalismo da UCS.
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