Interessante reportage in portoghese sull'Istituto Iterra del MST



2 studenti di giornalismo dell'università di Caxias do Sul visitano
l'Istituto Iterra del MST a Veranopolis, RGS


Acordei cedo naquela quinta-feira. A manhã de outono já anunciava uma tarde
quente. Na rodoviária de Caxias do Sul me encontrei com meu colega de
jornalismo, Roberto Dornelles. A nossa viagem a Veranópolis, cidade que fica
a 170 quilômetros de Porto Alegre, estava marcada há apenas três dias, mas
mesmo assim a ansiedade era grande. Afinal, nosso objetivo na cidade é
conhecer a Escola Técnica Josué de Castro do Instituto de Capacitação e
Pesquisa da Reforma Agrária, o ITERRA, inagurada em 1997 e mantida pelos
movimentos sociais, principalmente o MST. A escola, de Ensino Médio, é
voltada para atender as necessidades das pessoas que vivem no campo. E por
isso, os cursos que são disponibilizados não são como os de uma escola
normal. O ITERRA desenvolve programas na área de saúde, administração de
cooperativas e magistério.

Nossa previsão é chegar na cidade por volta das nove horas da manhã. A
paisagem da serra nos comove. O Rio das Antas está coberto por uma densa
camada de neblina e não conseguimos enxergar uma gota de água. Além disso,
nossos olhos são levados para os despenhadeiros, que tiveram origem com a
construção das estradas que cortam os rochedos. Os penhascos são enormes e a
sensação é de que o ônibus pode cair a qualquer momento. Nossa ansiedade
aumenta quando atravessamos a ponte sobre o Rio das Antas, o que significa
que estamos em solo veranense.

Mais alguns minutos e chegamos na rodoviária de Veranópolis. O médico Josué
de Castro foi escolhido para dar nome a escola por ser o primeiro brasileiro
a estudar a fome no Brasil. Seu livro mais conhecido é Geografia da Fome,
onde denuncia ao mundo os horrores do flagelo que assola a humanidade até
hoje. Finalmente chegamos, depois de duas horas de espera. Em frente ao
prédio, uma placa de concreto redonda, não muito grande, está cravada no
chão com as iniciais da escola. Atravessamos um portão branco, já
enferrujado pelo tempo, e entramos em uma sala. Na parede, um grande cartaz
com a foto de Josué de Castro e a frase ³50 anos de Geografia da fome². Uma
mocinha simpática anuncia a nossa chegada, estamos a poucos minutos de
conhecer a escola que luta contra a escravidão do homem no campo.

Diversidade cultural
A visita fora marcada há três dias com o seu Antônio Escobar, responsável
pelas visitas e pela parte de sistematização da escola. Pensei que seu
Antônio seria nosso anfitrião, mas a mesma moça simpática que nos anunciou
na chegada, nos informou que Marcelo seria a pessoa que iria nos acompanhar
para conhecer a escola. Depois de alguns minutos chega um moço simpático e
baixinho com algum problema na boca que dificulta a sua fala, mas nada que
impedisse o entendimento das palavras que pronuncia. Marcelo De Ávila Rosa,
mais conhecido como Marcelinho, seria nosso guia durante a visita.

Marcelinho é de Palmeira das Missões e está na escola desde 2001, onde é um
dos coordenadores das políticas pedagógicas do curso de saúde. Ele aparenta
ter 35 anos e é, no mínimo, muito querido. Com muito bom humor ele nos leva
à Sala dos Educadores para uma primeira conversa. Lá, nos diz que a visita
será dividida em cinco partes. Até as 10 horas nos leva para conhecer todas
as dependências do prédio. Depois, seu Antônio vem conversar com a gente,
juntamente com um grupo fixo de educadores. Às 12hs15mim almoçamos, se
quisermos, na companhia deles. Ás 13h30mim vamos conversar com os educadores
que vem de fora da cidade e às 14hs podemos entrevistar os educandos.

Na sala que abriga a reunião dos educadores há quadros por todos os lados
nas paredes. Os quadros representam a vida da escola, são diversos nomes de
pessoas que concluíram cursos na instituição. Os nomes são separados pelos
estados de onde vieram. Fico impressionada com a quantidade de pessoas de
fora do estado que vem estudar na Josué de Castro. Somente pessoas do
Amazonas e Acre não vêm para a escola, pois nesses estados o MST não é
organizado. Mas, mesmo assim, a diversidade de culturas é impressionante.
³Aqui você pode aproveitar o máximo da cultura brasileira², diz Marcelinho,
sorrindo. Além disso, Marcelinho nos informa que estudiosos da educação e
intelectuais de países da Europa e América Latina, visitam a escola. ³Somos
referência em educação, principalmente na pedagogia², diz entusiasmado. A
Josué de Castro é reconhecida pelo MEC.

A construção é antiga e, no ano passado, a escola completou 10 anos de
funcionamento. O local foi cedido pela congregação dos Capuchinhos de
Veranópolis. Por isso, os labirintos são enormes e existem pequenas salas
espalhadas por todos os cantos do prédio. Nas paredes, quadros que lembram a
luta dos sem-terra e fotos de Sebastião Salgado, praticamente todas doadas
pelo próprio fotógrafo. O prédio é escuro, mal iluminado e o frio acompanha
a nossa visita, apesar de um lindo sol querer entrar por algumas pequenas
janelas abertas. 

Visitamos todas as 23 unidades que compõem a escola. A organização é
exemplar. A manutenção da escola conta com a participação dos educandos que
passam parte do dia trabalhando nas unidades. É o que educadores chamam de
democracia participativa. Na Unidade de coordenação pedagógica, fica a
diretora da escola, Diana Daros, que infelizmente não esta na escola em
função de atividades em São Paulo. A coordenação tem reuniões permanentes na
Escola Nacional Florestan Fernandes em Guararema, São Paulo. Tivemos o azar
de não conversar com a diretora, mas o que nos esperaria mais adiante
mostraria ser esse um pequeno detalhe.

A escola
A escola é mantida por projetos sociais do governo federal, como o Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária, Pronera. Além disso, a renda também
vem do trabalho desenvolvido pelos próprios educandos. A escola tem uma
pequena padaria onde são vendidos pães, geléias e biscoitos, todos feitos
com produtos naturais. Passamos agora pelo refeitório. O espaço não é muito
grande para atender os 110 educandos que hoje estão no ITERRA. As cadeiras
são de palhas e as mesas de madeiras estão dispostas lado a lado, como se a
cada duas um v se formasse. Existem três turnos para o almoço, pois somente
assim todos conseguem comer tranqüilamente. Quando alguém fica doente dentro
da escola é imediatamente tratado com ervas naturais extraídas da horta, mas
em seguida se o paciente não melhorar ele é levado para o hospital da
cidade. A escola possui uma Farmácia equipada com o kit de primeiros
socorros. Nas paredes do prédio também são afixados murais com informações
sobre a questão agrária e os movimentos sociais. A capitação de notícias é
realizada pelos educadores e distribuída aos educandos através dos murais.
Além disso, embaixo da primeira escada existe uma casinha de madeira bem
pequena. Lá, funciona a rádio interna da escola. A rádio é um meio de
comunicação interno, além de embalar com música o trabalho diário. Os
educandos também são responsáveis pela programação da rádio.Quase em frente
à farmácia existe uma grande biblioteca. São mais de 13 mil títulos. A
responsável pelo local é a bibliotecária e também educadora Elaine Tasso,
ela é uma moça loira de olhos azuis, acredito que seja descendente de
italianos, pelo sotaque. Muito tímida, pede permissão a Marcelinho quando
puxo o gravador para entrevistá-la. Mas, Elaine mostra disposição, ela diz
que muitos estudantes de outras escolas vêm até a Josué de Castro para ler
algum livro que não encontram nas suas bibliotecas. ³Mas a gente não
empresta o material para pessoas de fora. Elas podem vir aqui, ler o
material, mas não podem levar para a casa. A gente só empresta para os
educandos da Josué², explica Elaine. Ela informa, com satisfação, que a
biblioteca é toda informatizada e que possui uma seção de vídeo. A maioria
do acervo é doada pelos educadores.

A Ciranda 
Depois do primeiro andar, vamos conhecer a ala destinada para as crianças
dos educandos. Essa foi a forma que o grupo que coordena a escola encontrou
para que os pais pudessem estudar tendo a certeza de que os filhos estariam
bem. O local se chama Ciranda Infantil e lá encontramos uma menina de quatro
anos, muito simpática e conversadeira. Ela me chama, quer conversar e me
mostrar os brinquedos, tenho a impressão de que ela entende a luta que terá
que fazer por um pedaço de terra, quando crescer. Mas, ela não perde a
alegria, se mostra muito disposta, essa sim, vai dar trabalho aos grandes
latifundiários quando resolver reivindicar seus direitos. E essa é a
tendência. Na Ciranda Infantil, explica Marcelinho, as crianças entram em
contato com a realidade da questão agrária brasileira. ³Eles ainda são
pequenos, mas desde cedo é necessário conscientizar², analisa Marcelinho.
Distraio-me com a garota quando ouço um choro, um menino prende os dedinhos
na porta. Marcelinho sai correndo em seu socorro. Fico tranqüila, não
aconteceu nada, apenas os dedinhos ficaram vermelhos.Voltamos a subir as
escadas, chegamos a um amplo auditório. Reuniões, conferências, formaturas,
eventos e momentos culturais são realizadas no local, apenas me arrependo de
não ter perguntado como são as formaturas. Em cada andar existem pequenas
salas com cadeiras e classes antigas, bem ao estilo das que eram utilizadas
nos colégios das primeiras colônias da serra. Os educandos se encontram nas
salas para estudar e fazer os trabalhos que são dados nas aulas. Além disso,
as salas servem como espaço para debates quando está chovendo, pois quando o
sol brilha, eles preferem discutir e conversar na grama. Durante um
intervalo de aula, pudemos conhecer a sala de informática. O local é amplo e
abriga computadores antigos. Geralmente a aula de informática é em dupla,
pois muitos computadores não funcionam. A cada dia, pelo menos uma máquina
apresenta problemas. A unidade agrícola fica próxima à unidade de
artesanato, começamos pelo artesanato. Um galpão antigo, sem janelas, onde
madeiras velhas servem como porta, é o espaço que os educandos têm para
aprender o ofício. No local, encontramos dois adolescentes, eles estão
fazendo correntes, brincos e anéis que depois serão vendidos. No andar de
cima funciona a oficina de artes plásticas. A sala está repleta de quadros
produzidos pelos educandos. Da unidade agrícola é que o grupo tira as
verduras e legumes que irão comer no almoço. Alface, brócolis, milho,
beterraba, rúcula e tomate são plantados e colhidos no tempo certo para que
nunca falte alimento. A área de terra não é grande e não tem espaço para
plantar frutas, que poderiam servir de sobremesa. Ao lado da horta, um campo
de terra vermelha. O desejo da comunidade escolar é construir um campinho de
futebol, mas as condições financeiras estão impedindo que esse projeto se
concretize. Voltamos para a escola, pois faltava visitar a cozinha. Lá Dona
Nilva prepara o almoço de todos. Ela está há oito meses na escola. Por não
estarmos com a roupa adequada: avental e touca branca, não podemos chegar
perto de Dona Nilva. Damos meia volta e o cheirinho de comida nos acompanha.
Ouvimos soar a campainha, pergunto o que significa. Marcelinho explica: ³São
para as turmas, temos três. Dois toques são para a turma A, três para a B e
quatro para C. Um toque é para todos². A campainha soa quando é hora do
almoço e para avisar a hora da troca de turnos nos postos de trabalho.

O ensino 
Uma das grandes diferenças da Josué de Castro para as escolas normais é a
nomenclatura das palavras. Aqui não existe professor e aluno, mas sim
educador e educando. A questão levantada pela escola é justamente
horizontalizar a relação educador x educando, diferente do que acontece nas
escolas regulares, onde o aluno é somente um espectador dos conteúdos
repassados pelos professores. Por isso, o método tende a não basear a
educação na transmissão e repasse do conhecimento. O ensino é divido em dois
períodos que eles chamam de tempo-escola e tempo-comunidade. No tempo-escola
os educandos permanecem na instituição por dois meses, período destinado
para o aprendizado e a discussões sobre temas da atualidade, como também
debates sobre o papel dos movimentos sociais. No período-comunidade, os
educandos voltam para os acampamentos ou assentamentos e aplicam os
conceitos discutidos e debatidos em sala de aula. O tempo desta etapa é de
90 dias. Os educandos, no período-escola, ficam em sala de aula por seis
horas tendo acesso ao conhecimento científico. Depois, eles permanecem mais
duas horas nas unidades de trabalho internas. A escola Josué de Castro
possui cursos de ensino médio na área de saúde, administração de
cooperativas e magistério, este último com várias habilitações. Um convênio
com a UERGS possibilita a realização do curso superior de Pedagogia. Além
disso, a escola disponibiliza oficinas de arte, música e pintura e a
educação de jovens e adultos. Como previsto, começamos a reunião com os
educadores às 10 horas. O encontro ocorreu na Sala dos Professores e um café
fresquinho nos esperava. Antônio Escobar, mais conhecido como Toni, começou
a falar. Ele é de Santana do Livramento e atua na escola desde 2004. A voz
calma revela os anos em que passou no seminário, onde, conforme ele,
aprendeu muito com a convivência coletiva. Nesse período, cursou a faculdade
de Filosofia na Universidade de Pelotas, porém optou por deixar a vida
eclesiástica. ³O projeto de vida que a gente vem construindo chegou a um
período em que não coincidia mais com a idéia da igreja católica e suas
exigências², explica Toni. Faculdade concluída, Toni entrou definitivamente
para o MST através de dois irmãos que eram assentados em Livramento. No
movimento, começou a atuar no setor de comunicação e depois se integrou ao
corpo de educadores da Josué de Castro. O MST e os movimentos sociais vêem
na educação uma forma de desenvolver as capacidades individuais de cada um.
³O MST prioriza e investe na educação e cultura por uma questão de
concepção, pois acredita que esses dois conceitos são fundamentais para o
desenvolvimento humano e social², explica. Além disso, conforme Toni, a
democracia participativa é o fator que motiva todo o funcionamento da
instituição. ³Todos fazem parte da organização e gestão da escola. Não é
somente um grupo que dirigi a escola², diz. Além disso, há uma reunião
mensalmente para discutir o planejamento e a discussão de onde serão
investidos os recursos. Quando o assunto é mídia a opinião dos educadores é
unânime. ³O público é vítima da mídia. Os meios de comunicação apresentam
conceitos prontos e as pessoas apenas consomem, sem contextualizar², analisa
Toni. Mas, ele explica que, na prática, a visão distorcida que a mídia faz é
desmistificada. O educador informa que os próprios integrantes do movimento
conversam com as pessoas e apresentam exemplos como a escola técnica Josué
de Castro. ³É impressionante, pois as pessoas ficam perguntando: Mas como?
Se a rádio e a TV dizem outra coisa? Por isso, a gente tem que utilizar
meios próprios para acabar com a visão distorcida do movimento². O MST
possui uma revista de circulação nacional e um site na internet.

O importante é o aprendizado
Sueli Cavalheiro é educadora do curso de magistério. Durante a conversa ela
mostrou muita convicção em defender os ideais do movimento, mas demonstrando
humildade ao falar de sua origem e de como entrou no MST. Natural de Três
Passos, muito cedo foi para Canoas trabalhar em uma fábrica de tecidos. Lá,
conheceu o MST e este ano completa oito anos de filiação ao movimento.
³Quando entrei no movimento dos sem-terra, meu objetivo maior era a reforma
agrária, mas depois que a gente vai estudando, entende que mais importante
ainda é o aprendizado, a educação², analisa. Filha de pequenos agricultores
sua, família foi assentada em Eldorado do Sul. Sueli é fruto da primeira
turma de Pedagogia formada na escola, através do convênio com a UERGS.
Depois de formada começou a dar aulas na Josué de Castro. ³A cada dia as
atividades que nos são delegadas é um desafio, pois a gente aprende muito. O
aprendizado também vem com os educandos que são de diferentes lugares do
país. Para mim é muito importante a atividade que eu desenvolvo², relata.
Antes do ITERRA, Sueli já havia ministrado aulas na escola itinerante do
assentamento em que vivia. Entende-se por escola itinerante, os espaços
educativos, de ensino fundamental, dentro dos acampamentos ou assentamentos.
Sueli esclarece que cada vez mais se tentar fechar a escola no campo. Por
essa necessidade é que escolas como a Josué de Castro existem, pois, nestes
locais, as pessoas podem permanecer em regime de internato. ³Se não
tivéssemos essa escola, muitos não estariam estudando. Outros tentariam a
sorte na cidade e isso nós sabemos que muitas vezes não dá certo², diz.Soloá
Citolim é pedagoga e psicoterapeuta. Trabalhou como professora da rede
pública estadual há muitos anos. Moradora de Porto Alegre não é integrante
do MST, mas se identifica com a visão de mundo do movimento. Na Josué de
Castro, trabalha junto as disciplinas de psicologia e sociologia. E a
pedagoga entende que uma grande diferença entre o ITERRA e as escolas
normais é justamente o método de ensino utilizado. ³Nas escolas regulares a
educação é muito cartesiana. A avaliação é uma relação de poder muito forte
que exclui os sujeitos². Conforme Soloá, é importante romper com a lógica do
educador como detentor da verdade. Por isso, a avaliação ocorre na
observação do educando em todos os espaços educativos. Dessa forma, o
professor irá saber se o aluno realmente esta aprendendo. Além disso, na
Josué de Castro, os educandos realizam uma monografia para a conclusão do
curso. ³Muitos professores da UFRGS vêm nas bancas de monografia e ficam
impressionados com os trabalhos², finaliza. Nos estendemos um pouquinho no
tempo, é hora de conversar com os educandos que já conversam do lado de
fora. Somos avisados para não demorar muito, pois os educandos estão no
período de aula. Promessa difícil de ser cumprida.

O almoço 
Chegamos no horário do almoço e uma pequena fila nos esperava em frente ao
refeitório. Olho para baixo, chinelos havaianas disputam o chão de parquê.
Eles estão em casa. A fila vai aumentando e ao 12h15mim a campainha é tocada
uma vez. A primeira turma começa a entrar, entre eles os educadores que
haviam conversado com a gente. O almoço é dividido em turnos, a primeira sai
da sala de aula às 12h15mim, a segunda às 12h20 e a terceira às 12h25. O
cardápio é simples. Alface e brócolis ­ que meu olfato achou amargo, por não
estar acostumado a comer as verduras sem agrotóxicos. Arroz, ervilha, purê
de batata e carne ­ que um rapaz alto e magro distribuía um pedaço para cada
prato. Resolvi pegar somente arroz e purê que estavam gostosos. Sentamos ao
lado da Sueli, primeira pessoa conhecida que encontrei na sala. Depois do
almoço, resolvemos dar um passeio pela cidade, que conforme o IBGE, possui
20.700 habitantes. Segundo a Organização Mundial da Saúde, Veranópolis é
conhecida nacionalmente como a Cidade da Longevidade. Além disso, o
município é o berço nacional da maça.

Os educandos 
Marli Malinoski é uma moça simpática e animada de 22 anos. De fala rápida e
muitos gestos, nos conta que em Sarandi, local onde é acampada, parou de
estudar no primeiro ano do Ensino Médio. ³Quando estava no acampamento não
tinha a perspectiva de concluir meus estudos, muito menos sonhar em fazer
uma faculdade. Talvez se eu não estivesse no acampamento estaria me
prostituindo, essa é a realidade², revela. Marli agora é educanda do curso
técnico em saúde e se forma em dois anos. Marli é uma moça inteligente.
Diferente de muitos jovens da sua idade que se encontram nas faculdades do
país, ela fala sobre o conceito de trabalho e educação que são desenvolvidos
na escola. ³A nossa construção de educação perpassa a sala de aula. O
trabalho é visto como princípio educativo e nesse sentido é um meio de
libertar o sujeito². No tempo-escola os educandos discutem a relação humana
do trabalho, além de desenvolver a convivência coletiva e a solidariedade.
Conforme Marli, a luta pela reforma agrária é necessária. ³Existe uma idéia
de classificar, principalmente pelos meios de comunicação e pela elite, o
MST como um movimento terrorista e agressivo², analisa. Além disso, a
educanda acredita que somente desapropriar terras para o assentamento não é
suficiente. ³É necessário dar condições de vida para aquela população. Fazer
um trabalho preventivo de saúde, por exemplo, é um dos meus objetivos quando
voltar para o meu acampamento². O trabalho de saúde preventiva que Marli se
refere é um projeto que todo o educando deve fazer quando está terminando o
tempo-escola para desenvolver com a comunidade. ³O papel do educando é fazer
um ponte entre a teoria e a experiência. Dialogar o conhecimento científico
com o acúmulo popular é necessário², finaliza. Daniela Santana é mais
tímida. Morena, baixinha de olhos castanhos a baiana de Vitória da Conquista
carrega o sotaque nordestino. Ela diz que somente na turma de administração
de cooperativas, a qual faz parte, existem pessoas de 16 estados diferentes.
³É muito interessante, a gente se depara com muitas coisas contraditórias e
depois de um tempo, as particularidades de cada um. Além disso, a gente
aprende a respeitar as diferenças², analisa. Daniela explica, que quando é a
hora de voltar para a comunidade, o educando não pode chegar com a visão de
que sabe tudo. ³O povo também ensina. Há uma troca de experiências². Jonas
Pretto está nervoso, por isso, gagueja. Ele tem 20 anos e é filho de
assentados em Piratini. A família faz parte de uma cooperativa, na qual todo
o trabalho é coletivo. ³Moramos em uma comunidade onde até as refeições são
feitas juntas², diz. Na visão de Jonas também há uma diferença muito grande
do ensino que é dado na Josué de Castro para as outras escolas. ³Aqui a
gente estuda a nossa verdadeira história, não a que é contada e imposta
pelos meios de comunicação. Aqui a gente estuda as coisas reais², observa.
Estamos chegando perto das 15 horas. Nos estendemos novamente nas
entrevistas, mas elas foras significativas e melhor, produtivas. Precisamos
nos apressar, nosso ônibus de volta a Caxias do Sul parte daqui a 15
minutos. Apresados, nos despedimos dos educandos e de Toni. Ficou a sensação
de que não agradecemos o suficiente pela estadia. Mas, combinamos de marcar
encontros futuros, que com certeza pretendemos honrar.

Da Finlândia para Veranópolis
Na verdade, já havíamos encontrado Pertty Simula durante a nossa visita a
escola. Ele vinha correndo por um corredor e quase nos atropelou na porta.
Alto, magro e loiro, aparentemente igual a um descente europeu, mas Pertty
não só parece, ele é natural da Europa e o português que fala é um pouquinho
diferente do nosso. A expressão facial revela uma certa melancolia, porém, é
só falar em movimentos sociais, educação e igualdade social, que os olhos se
enchem de esperança. Pertty Simula é um lutador e não desiste, ele acredita
que a justiça social é uma necessidade e tem convicção de que ela vai ser
alcançada. Mesmo não estando todos os dias na Josué de Castro, ele revela
verdadeiro amor à escola e aos movimentos sociais. Vindo da Finlândia para o
Brasil, em 1983, ele trabalhou na indústria paulista, e neste período,
começou a estudar psicanálise. Foi então que Pertty começou a enxergar um
outro mundo. O educador conta que resolveu sair da empresa pois não acredita
que a concepção capitalista de empregador x empregado não é uma organização
saudável de trabalho. ³A grande neurose da população vem da estrutura
injusta das relações de trabalho que estão estabelecidas na sociedade²,
argumenta. Por isso, em 1984, Pertty viajou para os Estados Unidos onde
desenvolveu um estudo para resolver a problemática da estrutura do
capitalista e apresentar uma forma mais saudável de trabalho para as
pessoas. A conclusão chegada foi a de que o cooperativismo seria a solução
para os problemas sociais, tirando o cidadão da sua neurose existencial.
Depois desse tempo de estudo e conclusões, Pertty voltou ao Brasil onde
encontrou o MST e começou a desenvolver os conceitos de empresa cooperativa.
Desde então, o psicanalista passou a fazer parte do MST trabalhando em uma
cooperativa que faz acompanhamento e assessoria das empresas sociais da
reforma agrária do movimento. Veio ao ITERRA de Veranópolis para trabalhar
com a questão psicológica, enfocada no fator humano da cooperação.

A escola, o MST, e a justiça
O método educacional utilizado pelo ITERRA é destacado por Pertty. ³Os
educandos fazem parte de todo o processo decisório da escola de forma muito
dinâmica e intensiva.² Conforme o psicanalista, esse processo de democracia
é tão importante que um grupo de diretores de escolas públicas da Finlândia
está com as malas prontas para chegar ao Brasil e conhecer a experiência da
Josué de Castro. A idéia é implantar nas escolas de lá o método desenvolvido
aqui. Ao falar sobre o MST a empolgação é grande. ³O movimento é
revolucionário, pois enxerga que as relações de poder, que existe hoje na
sociedade, devem mudar. Eu não vejo, no mundo, nenhum movimento que trabalhe
com essa proposta. A alternativa apresentada pelo MST é a democracia
participativa direta, que integre a parte socioeconômica e econômica²,
afirma. A justiça social, para Pertty Simula, não deve ficar só no campo da
discussão, ela deve ser feita, pois é uma necessidade. ³A partir do momento
em que você pergunta se é possível chegar a justiça, você já coloca
empecilhos. O correto é afirmar que ela é necessária. A gente precisa
trabalhar para que ela chegue, não importa se for daqui a 10,50 ou mil anos,
ela vai chegar², acredita.

Bianca Costa é estudante de Jornalismo da UCS.