Commenti alla marcia e spiegazioni degli "incidenti"



 Commenti (per il momento in portoghese)
Marcelo Barros
Luis Bassegio (grito dos escluidos)
Dom Demetrio Valentini
Demetrio Magnoli - Folha de Sao Paulo
Laerte Braga
Leonardo Boff







Fiz a marcha pela Reforma Agrária e fui agredido

Marcelo Barros 


A Marcha pela Reforma Agrária foi o acontecimento mais marcante deste 2005.
Como disse o companheiro Luis Basségio: ³Foi um testemunho de organização,
protesto e solidariedade². Por questões de saúde, só pude fazer a marcha
final em Brasília. Tive muita honra de ser convidado para falar na última
tarde de formação (2a f. 16, sobre ³Mística e Movimento Popular².
Ao iniciar a grande marcha desta 3a f. 17, ³rumo ao Congresso Nacional², um
companheiro da direção nacional me convidou para ir na primeira fileira,
segurando com eles a faixa inicial da marcha. Era uma emoção ver a multidão
aplaudindo, a chuva de papéis picados caindo de edifícios. Era comovente ver
a organização e disciplina dos companheiros  simplesmente juntos, em
momentos de silêncio, em outros acompanhando as músicas do carro de som ou
as palavras de ordem que pediam: ³Reforma Agrária Já², ³mudança estrutural
neste modelo econômico² e cidadania para todos os brasileiros.
Na praça diante da embaixada norte-americana, fechada como sempre e
super-protegida por centenas de soldados, os manifestantes deixaram lixo,
símbolo do que o imperialismo norte-americano impõe ao mundo. Ao chegar em
frente ao Palácio do Planalto, todos sabiam que o presidente Lula iria
receber naquela tarde 40 representantes do MST e dos participantes da
marcha. Entretanto, foi triste ao ver o palácio fechado e protegido por
milhares de soldados armados. Como se aquela marcha pacífica de mais de 15
mil pessoas fosse ameaça ao presidente da República ou a quem quer que seja.
Os soldados nem queriam permitir que a marcha dobrasse na avenida diante do
palácio. De repente, nós que estávamos à frente, segurando a faixa, vimos
uma barreira de soldados, com cassetetes na mão, vindo sobre nós. Não deu
tempo para nada. Ao meu lado, os companheiros não recuaram. Os soldados
armados contra nós, desarmados. Ao meu lado, alguns lavradores tinham na mão
foice e outros tinham facões. Nenhum brandiu estes instrumentos.
Mantivemo-nos segurando a faixa inicial da marcha. Apesar de empurrões e
agressões, conseguimos dobrar a estrada e conquistar o espaço para a marcha
prosseguir. Levei no ombro esquerdo a cotovelada de um soldado, mas, apesar
da dor que ainda sinto, o que me agrediu mais foi ver a insensibilidade de
homens que deveriam defender o povo e não agredir cidadãos organizados que
lutam pacificamente por seus direitos.
A marcha se desfez pela primeira vez, por uma hora, em frente ao edifício do
Ministério da Fazenda para um ato público marcado pela alegria e
descontração, além da brilhante palestra de Plínio de Arruda Sampaio que, em
palavras extremamente simples, explicou a todos o que é modelo econômico,
porque o modelo vigente no Brasil é injusto e qual a alternativa correta.
Após uma hora, retomamos a marcha para o Congresso Nacional. Aí aconteceu o
conlito mais grave. A Polícia Estadual buscava um pretexto para atacar.
Queria, a qualquer custo, criar um incidente que alimentasse os jornais do
dia seguinte. De fato, não podendo mais esperar, policiais que ocupavam um
carro investiram sobre a multidão. Como os manifestantes não tinham espaço
para ceder ao carro, o choque foi inevitável. Em horas assim, não há
racionalidade nem se pode pedir juízo de ninguém. Assim mesmo, um jovem
afirmou ter sido agredido porque viu dois soldados batendo em um lavrador
caído no chão e foi socorrê-lo. Outros defendiam pessoas mais velhas e até
uma senhora grávida que estava na marcha.
Esta foi a agressão que dói na alma: ver a polícia agredir o próprio povo,
por puro ato de selvageria e prepotência, manifestação de uma luta de
classes que alguns diriam superada ou que, hoje, toma outra cara. Não tomou
não. Eu me senti na década de 70, em tempos da ditadura militar. Senti-me
mais agredido ainda vendo no dia seguinte os grandes jornais trazendo como
manchete: ³Marcha do MST acaba em pancadaria².
O Ato Público em frente ao Congresso foi belo e profundo. O MST, a Via
Campesina e todos os movimentos sociais que participaram da marcha estão de
parabéns. Em tempos de ³cada um por si mesmo e Deus por ninguém², a
sociedade brasileira só pode agradecer este exemplo de mobilização social e
educação cidadã. Na pessoa dos lavradores e seus aliados que marcharam, foi
todo o Brasil que foi agredido pela truculência da polícia e pela
imparcialidade anti-ética da grande imprensa. Temos ainda muito a fazer.
Eles nos mostraram que esta marcha tem de ser permanente e nos envolver a
todos.    
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Recados da Marcha pela Reforma Agrária

Luiz Bassegio e Luciane Udovic (*)

 
³Companheiro Lula, o povo te elegeu,

Cadê a Reforma Agrária que você prometeu.²

 

            Este era o grito que mais se ouvia no último dia da Marcha
Nacional pela Reforma Agrária, que partiu do Estádio Mané Garrincha e se
dirigiu ao Congresso Nacional, passando pela embaixada dos Estados Unidos,
Ministério da Agricultura, Praça dos Três Poderes, Palácio do Planalto e
Ministério da Fazenda. Como ocorreu ao longo dos 230 quilômetros,
percorridos em 16 dias, tudo foi muito organizado e pacífico. Aliás, durante
toda a marcha, os 35 policiais que a acompanharam tiveram como única tarefa,
auxiliar o trânsito ao longo das rodovias. As palavras do comandante da
operação foram de agradecimento à organização e colaboração dos
manifestantes que, também ele entende que estavam exercendo o legítimo
direito de lutarem pelos seus direitos. Ao final de suas palavras além de
agradecer aos marchantes, desejou-lhes boa sorte na empreitada.
Infelizmente, esta não foi a postura dos policiais designados para fazer a
guarda do Palácio Presidencial. Ao contrário dos rodoviários que estavam
orientados para garantir bem estar e segurança aos cidadãos, parece que
estes estavam orientados a dificultar a manifestação ordeira e legítima dos
manifestantes, típicas de países democráticos. Ao final da Marcha, uma
provocação desnecessária dos policiais militares gerou uma animosidade com
alguns marchantes que se assustaram com a demonstração de arrogância da
polícia que fazia vôos rasantes de helicóptero com armas apontadas sobre os
manifestantes, inclusive desconsiderando a presença das 133 crianças e 19
bebês que se somavam à Marcha. Quando a polícia não cumpre o seu papel de
garantir tranqüilidade e segurança durante suas operações, o pior pode
acontecer. Felizmente, a contragosto da grande imprensa que busca sangue
para fazer notícia, os marchantes estavam tranqüilos o suficiente para não
permitir que o fato desviasse o verdadeiro objetivo da Marcha que foi o de
sensibilizar o presidente Lula para que mude a política econômica que vem
sendo orientada pelo sr. Palocci, junto com o FMI.

Ao longo da marcha houveram muitos aspectos positivos que merecem serem
lembrados, já que alguns setores da imprensa não tiveram interesse em
relatar. O processo de formação que todas as tardes era realizado foi um dos
exemplos. Os 12 mil marchantes acompanhavam diariamente, através de uma
estação de rádio montada no acampamento, palestras, debates e estudos de
documentos. A organização e disciplina também eram notadas no cotidiano do
acampamento: montagem e desmontagem das barracas, distribuição da
alimentação, zelo com o meio ambiente e a limpeza do local por onde passava
a marcha. Nem um simples papel era deixado no chão. Durante os percursos,
jovens passavam entre as fileiras recolhendo toda espécie de lixo. Por onde
passou a marcha, só ficou a admiração e o apoio da população que a acolhia.
Aliás, o grande número de jovens marchantes mostra que o movimento cresce e
se fortalece a cada dia.

A presença dos religiosas e religiosos da CRB que acompanharam a marcha
também emocionou: uma verdadeira demonstração de serviço, gratuidade e
compromisso evangélico. Ao contrário de uma das principais Igrejas de
Brasília que, equivocadamente, temendo a presença do povo marchante, fechou
as portas da Casa de Jesus por 2 dias, frustrando inclusive os turistas que
por ali passavam. São as contradições de uma Igreja santa e pecadora.

Coorporativismo 

            A marcha evidenciou ainda o grau de corporativismo de alguns
setores que, outrora, mostravam-se mais organizados. Muitos sindicatos,
centrais sindicais, entidades e outras organizações estiveram totalmente
ausentes e, sequer seriam lembradas se não houvesse algumas faixas e
bandeiras espalhadas ao longo do percurso da marcha. Faltou apoio político
eficaz para uma luta que não é somente pela reforma agrária, mas, sobretudo
pela mudança de uma política que continua gerando profundas desigualdades
sociais, impossibilitando não só a reforma agrária, mas a garantia dos
direitos fundamentais do cidadão como trabalho, moradia, educação, segurança
e vida digna. É inexplicável como estas organizações ainda não compreendam
que lutar pela reforma agrária é lutar pelo bem de todo o povo brasileiro, é
lutar contra a fome, a migração forçada e o inchaço das cidades.

 

Os recados da Marcha

Ficou claro o recado que o movimento quis dar aos Estados Unidos e ao
Ministro da Fazenda, Antonio Palocci. A simbologia utilizada na Marcha falou
por si só: ³Um passo a frente, nenhum passo atrás: a reforma agrária é o
povo quem faz!² - gritavam os manifestantes.

A embaixada americana não foi poupada. Milhares de latas de coca-cola,
embalagens de Mac Donalds, e outros lixos impostos pela cultura americana
foram despejadas defronte à embaixada. Foi um gesto simbólico para repudiar
a imposição cultural e consumista estadunidesnse que despreza e destrói as
coisas boas do nosso país. Também armas de plástico foram queimadas para
dizer não à política militar de dominação dos EUA.

A Marcha não parou em frente ao Palácio do Planalto e sim no Ministério da
Fazenda, onde foi realizada uma mística.  Uma grande águia foi colocada no
meio de várias bandeiras dos EUA. Ao lado um cartaz dizia: Fazenda do FMI.
Estava dado o recado. É preciso mudar a política econômica. É preciso que o
Brasil seja uma nação soberana onde a economia não seja ditada segundo os
interesses do FMI e das mega-empresas estadunidenses. Infelizmente está
ficando evidente que quem vem decidindo os rumos do país é o senhor ministro
da fazenda. É hora presidente tomar as rédeas do Brasil e cumprir as
promessas que o fizeram chegar ao poder.
Enquanto os trabalhadores do campo precisam lutar incansavelmente para
liberar crédito para a agricultura familiar ou linhas de crédito para os
assentados, o agro-negócio tem facilmente todas as regalias. Um exemplo
recente é a pressão que o governo federal vem sofrendo para liberar 500
milhões de reais para a realização do ³Agri- Show². Uma grande festa dos
fazendeiros e usineiros que acontecerá em Ribeirão Preto, neste ano. Alguns
setores na imprensa ainda se detém em fazer notícia com os 400 mil reais
liberados pelo governo de Goiás para dar suporte a caminhada dos Sem Terra
que luta por trabalho, justiça e vida para todos.
 
Desta vez os milhares de marchantes foram ao Ministério da Fazenda para
sinalizar que as coisas precisam mudar. Caso nada ocorra, o palco das
próximas mobilizações certamente será o Planalto, onde o presidente Lula
deverá responder porque a reforma agrária continua sendo só uma promessa de
campanha. 
 

 
(*) Ambos da Secretaria do Grito dos Excluidos Continental

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LIÇÕES DA MARCHA
> D. Demétrio Valentini  (bispo de Jales/SP)
> Escrevo logo após a conclusão da marcha para a reforma agrária. Como em
> 1997, o MST fez questão de me convidar para testemunhar a audiência com o
> Presidente da República. Daquela vez com Fernando Henrique Cardoso, desta
> vez com Lula.
> Antes de mais nada, lastimo os lances de violência, acontecidos nos
> momentos finais da concentração na esplanada dos ministérios. O lamentável
> confronto com as forças policiais destoou completamente de todo o contexto
> da marcha, e acabou divulgando uma imagem distorcida do seu espírito e dos
> seus objetivos.
> A marcha foi ordeira, pacífica, organizada, e sobretudo muito consciente.
> Foi um roteiro não só de quilômetros a percorrer, mas principalmente de
> debates e reflexões, que aconteciam todos os dias.
> Como estive na chegada das duas marchas, a de 1997 e a deste ano, me
> permito ressaltar algumas diferenças.
> Em 1997 a marcha surpreendeu o país, pelo inusitado da proposta e pelo
> desafio de vencer centenas de quilômetros, numa convergência para Brasília
> que ninguém acreditava pudesse ser levada a bom termo. Daí a aparência de
> proeza, que foi saudada pela população de Brasília, que saiu às ruas para
> receber festivamente os sem-terra.
> Desta vez o povo de Brasília não largou seu trabalho para ver os sem-terra
> passar. Nem eles queriam aplausos. Tanto que fizeram questão de nem
> atrapalhar o trânsito, ocupando disciplinadamente só meia pista das ruas
> por onde passavam. O que eles queriam era o atendimento de suas
> reivindicações. Eles também pareciam estar executando o seu trabalho, com
> fadiga e suor.
> Esta diferença de clima entre uma marcha e outra faz pensar na diferença
> real que os anos vão trazendo. Passou o tempo das utopias fáceis e
> generosas, que encantavam só pelo fato de serem explicitadas. O que se
> cobra agora é a realidade, o concreto, o possível, o viável.
> O que ainda continua a surpreender nos sem-terra é a persistência em
> realizar uma utopia que teria tudo para ser viável, mas que enfrenta
> resistências históricas que precisam ser vencidas com tenacidade política,
> com organização popular e com firmeza governamental.
> O contraste maior foi na audiência com o Presidente. Em 1997 o governo foi
> encurralado, e teve que receber os sem-terra a contra gosto, enchendo-se
> de precauções. Resultou um clima de desconfiança e de prevenção.
> Desta vez, era evidente o clima de descontração, assegurando a disposição
> para o diálogo.
> Mas a surpresa veio na própria audiência. Na sua fala ao Presidente, os
> sem-terra demonstraram muita competência e conhecimento. Apresentaram suas
> reivindicações concretas sobre a reforma agrária, ao mesmo tempo que
> demonstravam uma ampla visão da realidade brasileira, onde inseriam a
> importância de uma verdadeira reforma agrária.
> Os ministros, e o próprio Presidente, respondendo a eles, num primeiro
> momento ficaram nas fáceis explicações genéricas, capazes de prometer tudo
> e ao mesmo tempo não se comprometer com nada.
> Aí os sem-terra reagiram. Com coragem e muita lucidez, retomaram a
> palavra, e deixaram muito claro que não tinham feito a marcha para agora
> ouvir vagas promessas. Eles queriam soluções concretas aos problemas bem
> específicos que tinham apresentado.
> Concluída a audiência, o Presidente assegurou que continuaria reunido com
> seus ministros para definir as ações do governo.
> Penso que este é o recado maior da marcha. Ela não foi feita para
> espetáculo. A organização e pressão popular é componente indispensável no
> cenário da democracia. Sobretudo para fazer avançar situações complexas,
> que encontram resistências ideológicas e demandam propostas viáveis,
> sustentação política e ação governamental.
> Os sem-terra demonstraram que estão preparados, e o governo percebeu que
> tem sua parte a fazer. Não se fará outra marcha como esta. Agora > é para
> fazer reforma agrária.

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Dalla Folha del 19 maggio
DEMÉTRIO MAGNOLI

O MST e a democracia

O guerreiro Josué conduziu o povo na marcha pelo deserto, em busca da Terra
Prometida, como lembrou o presidente da Comissão Pastoral da Terra, dom
Tomás Balduíno. Na narrativa oficial da Revolução Cubana, os guerrilheiros
da Sierra Maestra marcharam pelo campo, cercando as cidades. Os dois mitos
inspiraram a marcha do MST até Brasília, que portou um estandarte com a
figura de Che Guevara e foi acompanhada por padres. Toda a identidade do MST
está contida nessa simbologia sincrética, que se nutre das tradições do
cristianismo original e de um comunismo extirpado da cidade, da fábrica e do
operário. A terra, um bem da natureza, pertence ao povo de Deus -eis a
mensagem.
A plataforma do MST organiza-se em torno da utopia de uma economia
autárquica baseada na pequena produção camponesa. O latifúndio, a
agricultura patronal, o agronegócio, as grandes empresas e a globalização
aparecem como os inimigos do "capitalismo num só país", agrário e familiar,
sonhado pelos sem-terra. A plataforma radical permanece no horizonte
distante onde se oculta a Terra Prometida. Nos domínios da prática política,
o MST pressiona pela aceleração dos assentamentos e por subsídios públicos
aos assentados. Em outras palavras, exige apenas o aprofundamento de
políticas agrárias conduzidas tanto pelo governo atual quanto por seu
antecessor.
Do ponto de vista do MST, a luta pelos assentamentos seria o estopim da
marcha do povo rumo à Terra Prometida. Do ponto de vista do governo, os
assentamentos funcionam como política compensatória à opção preferencial
pelo agronegócio. A experiência da última década evidencia que os
assentamentos de reforma agrária, inscritos numa economia comandada pela
globalização, geram favelas rurais dependentes de ajuda governamental. Essa
ajuda tornou-se, indiretamente, a fonte principal do financiamento do
próprio MST.
O MST, contudo, desempenha um papel crucial para a estabilidade da nossa
democracia incompleta. A modernização capitalista do campo remove os
fundamentos da vida de milhões de camponeses, atirando-os no caldeirão
fervente das periferias urbanas e do emprego precário nas cidades e
fazendas. O banditismo rural e o extremismo político são frutos comuns do
ciclo da modernização e podem ser identificados, juntos ou separados, em
contextos tão diversos como os da Sicília pós-Risorgimento, que foi o berço
da máfia, do sertão nordestino do início do século 20, onde se difundiu o
cangaço, ou do campo indígena peruano dos anos 80, no qual deitou raízes o
Sendero Luminoso. Esses fenômenos estão ausentes do Brasil atual em virtude,
antes de tudo, da presença do MST.
Rubens Ricupero registrou que a marcha dos sem-terra "se cumpre debaixo da
mais implacável malevolência de quase toda a imprensa". De fato, o MST é a
"bête-noire" da mídia, que se eriça inteira quando vislumbra uma ameaça à
sacrossanta instituição da propriedade privada. O fogo de barragem da má-fé
ofusca os fatos: o MST desvia para a redoma da política democrática o
potencial de violência imanente à modernização acelerada, conservadora e
excludente da agricultura brasileira.
Mas o MST não é imune à dissolução das esperanças depositadas pelo povo
pobre no governo Lula. A organização dos sem-terra, que apóia o governo,
enfrenta tensões e divisões. Seu eventual fracionamento seria comemorado
pelos tolos e pelos incendiários.

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A VIOLÊNCIA DO LATIFÚNDIO

 

 

Laerte Braga 

 

 

Os incidentes que marcaram o fim da marcha do MST a Brasília, nem a imprensa
costumeiramente crítica do movimento conseguiu disfarçar a provocação da PM
de Brasília. 

 

O JORNAL DO BRASIL afirma textualmente em sua edição de 18 de maio que doze
agentes da PM se infiltraram entre os trabalhadores sem terra e começaram
uma briga. A senha para a boçalidade patrocinada e determinada por Joaquim
Roriz. 

 

As polícias militares em todos os estados da dita Federação são braços do
latifúndio. 

 

A esmagadora maioria dos crimes contra líderes sem terra, ou sindicalistas
em todo o País tem policiais militares envolvidos.

 

O massacre de Eldorado do Carajás foi uma ação conjunta de PM e pistoleiros
do latifúndio, até hoje impune.

 

A PM do Paraná, sobretudo no governo Jaime Lerner, produziu chacinas e
assassinatos com requintes de barbaridade na repressão aos trabalhadores sem
terra. 

 

Um oficial PM de Brasília, pouco antes da briga provocada por seus esbirros,
andou dizendo aos quatro cantos que a vaia dada à PM não podia ficar impune,
pois se tratava de uma instituição. Mais apropriado seria dizer um sindicato
do crime. 

 

Em Minas, há alguns atrás, esse tipo de atitude foi batizada de meganha,
apelido até hoje conferido a soldados PMs. Por ser PM ninguém “me ganha”. O
clássico “teje preso, sou autoridade”.

 

Por trás dessa violência da PM de Brasília estava o interesse do latifúndio
e o latifúndio controla as PMs, de criar a sensação de desordem, de bagunça,
temerosos da repercussão internacional da marcha.

 

Os principais meios de comunicação de países europeus, nos EUA inclusive,
abriram largas manchetes, grandes reportagens sobre a marcha, seu caráter
pacífico e o imenso poder de mobilização do MST.

 

É possível até que o ministro Roberto Monsanto Rodrigues vá mandar
bisbilhotar através de setores de inteligência da UDR (União Democrática
Ruralista) que funcionários do seu Ministério, o da Agricultura, saudaram a
marcha com uma chuva de papéis picados.

 

PMs com a estrutura paramilitar que dispõem são uma aberração mesmo no
conceito de democracia de Miss Condoleeza Rice e apesar de Guantánamo.

 

Governadores de estados, em boa parte, históricamente, são vinculados ao
latifúndio. Quando não são latifundiários. O coronel Pantoja, principal
pistoleiro de Eldorado do Carajás, havia servido no gabinete do então
governador, Almir Gabriel quando esse era senador.

 

Era um dos assessores. Integrava  a grande família do Congresso Nacional.
Deus, pátria e família, deve ser esse o lema de Severino e assemelhados.

 

O Deus deles, a pátria deles, a família deles.

 

A primeira constatação ao término da caminhada dos sem terra é sobre o poder
dos movimentos populares. Cria uma exigência para os próprios. A que torna
inaceitável o processo institucional, principalmente, quando depois do
magnífico espetáculo de  Brasília, vem o paladino da moral e dos bons
costumes, Severino Cavalcanti, dizer que Roberto Jéferson não tem culpa,
contra ele não existem provas.

 

O que MST  e Via Campesina mostraram foi que é possível tomar o poder nas
mãos e fazer história.

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MST E OUTRA HUMANIDADE É POSSÍVEL

Leonardo Boff*

Que o Movimento dos Sem Terra (MST) luta pela reforma agrária todos sabemos.
Que para ele Terra não é apenas, como quer a cultura capitalista, meio de
produção, mas é muito mais, é nossa Casa Comum, está viva, com uma
comunidade de vida única e que nós somos seus filhos e filhas com a missão
de cuidar dela e de libertá-la de um sistema social consumista que a
devasta, isto é surpreendente. Este é seu sonho maior, expressão do novo
paradigma civilizatório emergente. Ele deixa para trás muita inteligência
acadêmica que se orienta exclusivamente pela razão instrumental-analítica,
funcional ao modo de produção atual que está ameaçando o futuro comum da
Terra e da Humanidade. Captar esta novidade do MST e da Via Campesina é
captar sua força de convocação para o Brasil e para toda a sociedade mundial
Eles se encontram na ponta da visão alternativa de que outra humanidade é
possível. Com suas práticas não obstante aqui e acolá as contradições
inerentes ao processo histórico, estão mostrando sua viabilidade. Basta
observar, com olho isento, o que dizem, como se organizam e o que fazem. As
vítimas da ordem vigente dão corpo a um sonho novo.
Há dias, eu e minha companheira Márcia que apoia o MST desde sua fundação no
acampamento Ronda Alta-RS, pudemos participar da marcha de Goiânia a
Brasília. Foram dois dias de convivência e de marcha com aqueles 12.272
caminhantes. Precisa-se de muita acumulação de consciência solidária, de
disciplina e de sentido do bem comum para fazer funcionar esse processo
popular multitudinário com mais perfeição que uma escola de samba carioca.
Nem falemos da comida pontualíssima, da montagem e desmontagem das barracas,
da água potável abundante e do serviço sanitário. A preocupação ecológica
era quase obsessiva. Se alguém, no dia seguinte, quisesse saber onde
acamparam aqueles milhares, não o saberia porque a limpeza era tão minuciosa
que sequer um réstia de papel ficava para trás.
Entre os objetivos explícitos da caminhada, além da reforma agrária e da
discussão de um projeto popular para o Brasil, havia o de "desenvolver
atividades de solidariedade para fortalecer a luta e os sonhos do povo". Em
função disso, por mais de duas horas, à tarde, promoviam-se palestras
transmitidas pela rádio interna, seguidas de grupos de discussão. A mim me
foi pedido falar sobre a nova visão da Terra e como cuidar dela à luz das
sugestões da Carta da Terra. Passando pelos grupos vi a seriedade com que se
discutia. Mas não só. A marcha se propôs "resgatar e promover a cultura
brasileira através de canções, poemas, teatros e outras manifestações
típicas do povo". Ao sermos acolhidos em sua barraca pelo grupo de Paraná
(mais de 800 pessoas) ouvimos canções e poemas de rara beleza. Uma estrofe
dizia: "ouçam a harmonia de igualdade do homem pobre." Se o sistema nos
atordoa, por todos os meios, com palavras "acumulação, consumo, riqueza,
prazer" aqui o que mais se ouvia era "solidariedade, cooperação, justiça,
homem e mulher novos, nova Terra". Quem está no melhor caminho?
Eu matutava comigo mesmo: seguramente Marx, Lenin e Mao jamais pensaram num
tipo de revolução que fizesse esta síntese tão feliz entre luta e estudo,
caminhada e festa. Um movimento que incorpora poesia e música será
invencível. O MST nos dá sinais de que outra humanidade quer emergir .

* Escritor e Teólogo