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Commenti alla marcia e spiegazioni degli "incidenti"
- Subject: Commenti alla marcia e spiegazioni degli "incidenti"
- From: Serena Romagnoli <md1042 at mclink.it>
- Date: Thu, 19 May 2005 23:41:36 +0200
Commenti (per il momento in portoghese) Marcelo Barros Luis Bassegio (grito dos escluidos) Dom Demetrio Valentini Demetrio Magnoli - Folha de Sao Paulo Laerte Braga Leonardo Boff Fiz a marcha pela Reforma Agrária e fui agredido Marcelo Barros A Marcha pela Reforma Agrária foi o acontecimento mais marcante deste 2005. Como disse o companheiro Luis Basségio: ³Foi um testemunho de organização, protesto e solidariedade². Por questões de saúde, só pude fazer a marcha final em Brasília. Tive muita honra de ser convidado para falar na última tarde de formação (2a f. 16, sobre ³Mística e Movimento Popular². Ao iniciar a grande marcha desta 3a f. 17, ³rumo ao Congresso Nacional², um companheiro da direção nacional me convidou para ir na primeira fileira, segurando com eles a faixa inicial da marcha. Era uma emoção ver a multidão aplaudindo, a chuva de papéis picados caindo de edifícios. Era comovente ver a organização e disciplina dos companheiros simplesmente juntos, em momentos de silêncio, em outros acompanhando as músicas do carro de som ou as palavras de ordem que pediam: ³Reforma Agrária Já², ³mudança estrutural neste modelo econômico² e cidadania para todos os brasileiros. Na praça diante da embaixada norte-americana, fechada como sempre e super-protegida por centenas de soldados, os manifestantes deixaram lixo, símbolo do que o imperialismo norte-americano impõe ao mundo. Ao chegar em frente ao Palácio do Planalto, todos sabiam que o presidente Lula iria receber naquela tarde 40 representantes do MST e dos participantes da marcha. Entretanto, foi triste ao ver o palácio fechado e protegido por milhares de soldados armados. Como se aquela marcha pacífica de mais de 15 mil pessoas fosse ameaça ao presidente da República ou a quem quer que seja. Os soldados nem queriam permitir que a marcha dobrasse na avenida diante do palácio. De repente, nós que estávamos à frente, segurando a faixa, vimos uma barreira de soldados, com cassetetes na mão, vindo sobre nós. Não deu tempo para nada. Ao meu lado, os companheiros não recuaram. Os soldados armados contra nós, desarmados. Ao meu lado, alguns lavradores tinham na mão foice e outros tinham facões. Nenhum brandiu estes instrumentos. Mantivemo-nos segurando a faixa inicial da marcha. Apesar de empurrões e agressões, conseguimos dobrar a estrada e conquistar o espaço para a marcha prosseguir. Levei no ombro esquerdo a cotovelada de um soldado, mas, apesar da dor que ainda sinto, o que me agrediu mais foi ver a insensibilidade de homens que deveriam defender o povo e não agredir cidadãos organizados que lutam pacificamente por seus direitos. A marcha se desfez pela primeira vez, por uma hora, em frente ao edifício do Ministério da Fazenda para um ato público marcado pela alegria e descontração, além da brilhante palestra de Plínio de Arruda Sampaio que, em palavras extremamente simples, explicou a todos o que é modelo econômico, porque o modelo vigente no Brasil é injusto e qual a alternativa correta. Após uma hora, retomamos a marcha para o Congresso Nacional. Aí aconteceu o conlito mais grave. A Polícia Estadual buscava um pretexto para atacar. Queria, a qualquer custo, criar um incidente que alimentasse os jornais do dia seguinte. De fato, não podendo mais esperar, policiais que ocupavam um carro investiram sobre a multidão. Como os manifestantes não tinham espaço para ceder ao carro, o choque foi inevitável. Em horas assim, não há racionalidade nem se pode pedir juízo de ninguém. Assim mesmo, um jovem afirmou ter sido agredido porque viu dois soldados batendo em um lavrador caído no chão e foi socorrê-lo. Outros defendiam pessoas mais velhas e até uma senhora grávida que estava na marcha. Esta foi a agressão que dói na alma: ver a polícia agredir o próprio povo, por puro ato de selvageria e prepotência, manifestação de uma luta de classes que alguns diriam superada ou que, hoje, toma outra cara. Não tomou não. Eu me senti na década de 70, em tempos da ditadura militar. Senti-me mais agredido ainda vendo no dia seguinte os grandes jornais trazendo como manchete: ³Marcha do MST acaba em pancadaria². O Ato Público em frente ao Congresso foi belo e profundo. O MST, a Via Campesina e todos os movimentos sociais que participaram da marcha estão de parabéns. Em tempos de ³cada um por si mesmo e Deus por ninguém², a sociedade brasileira só pode agradecer este exemplo de mobilização social e educação cidadã. Na pessoa dos lavradores e seus aliados que marcharam, foi todo o Brasil que foi agredido pela truculência da polícia e pela imparcialidade anti-ética da grande imprensa. Temos ainda muito a fazer. Eles nos mostraram que esta marcha tem de ser permanente e nos envolver a todos. ************************************* Recados da Marcha pela Reforma Agrária Luiz Bassegio e Luciane Udovic (*) ³Companheiro Lula, o povo te elegeu, Cadê a Reforma Agrária que você prometeu.² Este era o grito que mais se ouvia no último dia da Marcha Nacional pela Reforma Agrária, que partiu do Estádio Mané Garrincha e se dirigiu ao Congresso Nacional, passando pela embaixada dos Estados Unidos, Ministério da Agricultura, Praça dos Três Poderes, Palácio do Planalto e Ministério da Fazenda. Como ocorreu ao longo dos 230 quilômetros, percorridos em 16 dias, tudo foi muito organizado e pacífico. Aliás, durante toda a marcha, os 35 policiais que a acompanharam tiveram como única tarefa, auxiliar o trânsito ao longo das rodovias. As palavras do comandante da operação foram de agradecimento à organização e colaboração dos manifestantes que, também ele entende que estavam exercendo o legítimo direito de lutarem pelos seus direitos. Ao final de suas palavras além de agradecer aos marchantes, desejou-lhes boa sorte na empreitada. Infelizmente, esta não foi a postura dos policiais designados para fazer a guarda do Palácio Presidencial. Ao contrário dos rodoviários que estavam orientados para garantir bem estar e segurança aos cidadãos, parece que estes estavam orientados a dificultar a manifestação ordeira e legítima dos manifestantes, típicas de países democráticos. Ao final da Marcha, uma provocação desnecessária dos policiais militares gerou uma animosidade com alguns marchantes que se assustaram com a demonstração de arrogância da polícia que fazia vôos rasantes de helicóptero com armas apontadas sobre os manifestantes, inclusive desconsiderando a presença das 133 crianças e 19 bebês que se somavam à Marcha. Quando a polícia não cumpre o seu papel de garantir tranqüilidade e segurança durante suas operações, o pior pode acontecer. Felizmente, a contragosto da grande imprensa que busca sangue para fazer notícia, os marchantes estavam tranqüilos o suficiente para não permitir que o fato desviasse o verdadeiro objetivo da Marcha que foi o de sensibilizar o presidente Lula para que mude a política econômica que vem sendo orientada pelo sr. Palocci, junto com o FMI. Ao longo da marcha houveram muitos aspectos positivos que merecem serem lembrados, já que alguns setores da imprensa não tiveram interesse em relatar. O processo de formação que todas as tardes era realizado foi um dos exemplos. Os 12 mil marchantes acompanhavam diariamente, através de uma estação de rádio montada no acampamento, palestras, debates e estudos de documentos. A organização e disciplina também eram notadas no cotidiano do acampamento: montagem e desmontagem das barracas, distribuição da alimentação, zelo com o meio ambiente e a limpeza do local por onde passava a marcha. Nem um simples papel era deixado no chão. Durante os percursos, jovens passavam entre as fileiras recolhendo toda espécie de lixo. Por onde passou a marcha, só ficou a admiração e o apoio da população que a acolhia. Aliás, o grande número de jovens marchantes mostra que o movimento cresce e se fortalece a cada dia. A presença dos religiosas e religiosos da CRB que acompanharam a marcha também emocionou: uma verdadeira demonstração de serviço, gratuidade e compromisso evangélico. Ao contrário de uma das principais Igrejas de Brasília que, equivocadamente, temendo a presença do povo marchante, fechou as portas da Casa de Jesus por 2 dias, frustrando inclusive os turistas que por ali passavam. São as contradições de uma Igreja santa e pecadora. Coorporativismo A marcha evidenciou ainda o grau de corporativismo de alguns setores que, outrora, mostravam-se mais organizados. Muitos sindicatos, centrais sindicais, entidades e outras organizações estiveram totalmente ausentes e, sequer seriam lembradas se não houvesse algumas faixas e bandeiras espalhadas ao longo do percurso da marcha. Faltou apoio político eficaz para uma luta que não é somente pela reforma agrária, mas, sobretudo pela mudança de uma política que continua gerando profundas desigualdades sociais, impossibilitando não só a reforma agrária, mas a garantia dos direitos fundamentais do cidadão como trabalho, moradia, educação, segurança e vida digna. É inexplicável como estas organizações ainda não compreendam que lutar pela reforma agrária é lutar pelo bem de todo o povo brasileiro, é lutar contra a fome, a migração forçada e o inchaço das cidades. Os recados da Marcha Ficou claro o recado que o movimento quis dar aos Estados Unidos e ao Ministro da Fazenda, Antonio Palocci. A simbologia utilizada na Marcha falou por si só: ³Um passo a frente, nenhum passo atrás: a reforma agrária é o povo quem faz!² - gritavam os manifestantes. A embaixada americana não foi poupada. Milhares de latas de coca-cola, embalagens de Mac Donalds, e outros lixos impostos pela cultura americana foram despejadas defronte à embaixada. Foi um gesto simbólico para repudiar a imposição cultural e consumista estadunidesnse que despreza e destrói as coisas boas do nosso país. Também armas de plástico foram queimadas para dizer não à política militar de dominação dos EUA. A Marcha não parou em frente ao Palácio do Planalto e sim no Ministério da Fazenda, onde foi realizada uma mística. Uma grande águia foi colocada no meio de várias bandeiras dos EUA. Ao lado um cartaz dizia: Fazenda do FMI. Estava dado o recado. É preciso mudar a política econômica. É preciso que o Brasil seja uma nação soberana onde a economia não seja ditada segundo os interesses do FMI e das mega-empresas estadunidenses. Infelizmente está ficando evidente que quem vem decidindo os rumos do país é o senhor ministro da fazenda. É hora presidente tomar as rédeas do Brasil e cumprir as promessas que o fizeram chegar ao poder. Enquanto os trabalhadores do campo precisam lutar incansavelmente para liberar crédito para a agricultura familiar ou linhas de crédito para os assentados, o agro-negócio tem facilmente todas as regalias. Um exemplo recente é a pressão que o governo federal vem sofrendo para liberar 500 milhões de reais para a realização do ³Agri- Show². Uma grande festa dos fazendeiros e usineiros que acontecerá em Ribeirão Preto, neste ano. Alguns setores na imprensa ainda se detém em fazer notícia com os 400 mil reais liberados pelo governo de Goiás para dar suporte a caminhada dos Sem Terra que luta por trabalho, justiça e vida para todos. Desta vez os milhares de marchantes foram ao Ministério da Fazenda para sinalizar que as coisas precisam mudar. Caso nada ocorra, o palco das próximas mobilizações certamente será o Planalto, onde o presidente Lula deverá responder porque a reforma agrária continua sendo só uma promessa de campanha. (*) Ambos da Secretaria do Grito dos Excluidos Continental **************** LIÇÕES DA MARCHA > D. Demétrio Valentini (bispo de Jales/SP) > Escrevo logo após a conclusão da marcha para a reforma agrária. Como em > 1997, o MST fez questão de me convidar para testemunhar a audiência com o > Presidente da República. Daquela vez com Fernando Henrique Cardoso, desta > vez com Lula. > Antes de mais nada, lastimo os lances de violência, acontecidos nos > momentos finais da concentração na esplanada dos ministérios. O lamentável > confronto com as forças policiais destoou completamente de todo o contexto > da marcha, e acabou divulgando uma imagem distorcida do seu espírito e dos > seus objetivos. > A marcha foi ordeira, pacífica, organizada, e sobretudo muito consciente. > Foi um roteiro não só de quilômetros a percorrer, mas principalmente de > debates e reflexões, que aconteciam todos os dias. > Como estive na chegada das duas marchas, a de 1997 e a deste ano, me > permito ressaltar algumas diferenças. > Em 1997 a marcha surpreendeu o país, pelo inusitado da proposta e pelo > desafio de vencer centenas de quilômetros, numa convergência para Brasília > que ninguém acreditava pudesse ser levada a bom termo. Daí a aparência de > proeza, que foi saudada pela população de Brasília, que saiu às ruas para > receber festivamente os sem-terra. > Desta vez o povo de Brasília não largou seu trabalho para ver os sem-terra > passar. Nem eles queriam aplausos. Tanto que fizeram questão de nem > atrapalhar o trânsito, ocupando disciplinadamente só meia pista das ruas > por onde passavam. O que eles queriam era o atendimento de suas > reivindicações. Eles também pareciam estar executando o seu trabalho, com > fadiga e suor. > Esta diferença de clima entre uma marcha e outra faz pensar na diferença > real que os anos vão trazendo. Passou o tempo das utopias fáceis e > generosas, que encantavam só pelo fato de serem explicitadas. O que se > cobra agora é a realidade, o concreto, o possível, o viável. > O que ainda continua a surpreender nos sem-terra é a persistência em > realizar uma utopia que teria tudo para ser viável, mas que enfrenta > resistências históricas que precisam ser vencidas com tenacidade política, > com organização popular e com firmeza governamental. > O contraste maior foi na audiência com o Presidente. Em 1997 o governo foi > encurralado, e teve que receber os sem-terra a contra gosto, enchendo-se > de precauções. Resultou um clima de desconfiança e de prevenção. > Desta vez, era evidente o clima de descontração, assegurando a disposição > para o diálogo. > Mas a surpresa veio na própria audiência. Na sua fala ao Presidente, os > sem-terra demonstraram muita competência e conhecimento. Apresentaram suas > reivindicações concretas sobre a reforma agrária, ao mesmo tempo que > demonstravam uma ampla visão da realidade brasileira, onde inseriam a > importância de uma verdadeira reforma agrária. > Os ministros, e o próprio Presidente, respondendo a eles, num primeiro > momento ficaram nas fáceis explicações genéricas, capazes de prometer tudo > e ao mesmo tempo não se comprometer com nada. > Aí os sem-terra reagiram. Com coragem e muita lucidez, retomaram a > palavra, e deixaram muito claro que não tinham feito a marcha para agora > ouvir vagas promessas. Eles queriam soluções concretas aos problemas bem > específicos que tinham apresentado. > Concluída a audiência, o Presidente assegurou que continuaria reunido com > seus ministros para definir as ações do governo. > Penso que este é o recado maior da marcha. Ela não foi feita para > espetáculo. A organização e pressão popular é componente indispensável no > cenário da democracia. Sobretudo para fazer avançar situações complexas, > que encontram resistências ideológicas e demandam propostas viáveis, > sustentação política e ação governamental. > Os sem-terra demonstraram que estão preparados, e o governo percebeu que > tem sua parte a fazer. Não se fará outra marcha como esta. Agora > é para > fazer reforma agrária. ********************** Dalla Folha del 19 maggio DEMÉTRIO MAGNOLI O MST e a democracia O guerreiro Josué conduziu o povo na marcha pelo deserto, em busca da Terra Prometida, como lembrou o presidente da Comissão Pastoral da Terra, dom Tomás Balduíno. Na narrativa oficial da Revolução Cubana, os guerrilheiros da Sierra Maestra marcharam pelo campo, cercando as cidades. Os dois mitos inspiraram a marcha do MST até Brasília, que portou um estandarte com a figura de Che Guevara e foi acompanhada por padres. Toda a identidade do MST está contida nessa simbologia sincrética, que se nutre das tradições do cristianismo original e de um comunismo extirpado da cidade, da fábrica e do operário. A terra, um bem da natureza, pertence ao povo de Deus -eis a mensagem. A plataforma do MST organiza-se em torno da utopia de uma economia autárquica baseada na pequena produção camponesa. O latifúndio, a agricultura patronal, o agronegócio, as grandes empresas e a globalização aparecem como os inimigos do "capitalismo num só país", agrário e familiar, sonhado pelos sem-terra. A plataforma radical permanece no horizonte distante onde se oculta a Terra Prometida. Nos domínios da prática política, o MST pressiona pela aceleração dos assentamentos e por subsídios públicos aos assentados. Em outras palavras, exige apenas o aprofundamento de políticas agrárias conduzidas tanto pelo governo atual quanto por seu antecessor. Do ponto de vista do MST, a luta pelos assentamentos seria o estopim da marcha do povo rumo à Terra Prometida. Do ponto de vista do governo, os assentamentos funcionam como política compensatória à opção preferencial pelo agronegócio. A experiência da última década evidencia que os assentamentos de reforma agrária, inscritos numa economia comandada pela globalização, geram favelas rurais dependentes de ajuda governamental. Essa ajuda tornou-se, indiretamente, a fonte principal do financiamento do próprio MST. O MST, contudo, desempenha um papel crucial para a estabilidade da nossa democracia incompleta. A modernização capitalista do campo remove os fundamentos da vida de milhões de camponeses, atirando-os no caldeirão fervente das periferias urbanas e do emprego precário nas cidades e fazendas. O banditismo rural e o extremismo político são frutos comuns do ciclo da modernização e podem ser identificados, juntos ou separados, em contextos tão diversos como os da Sicília pós-Risorgimento, que foi o berço da máfia, do sertão nordestino do início do século 20, onde se difundiu o cangaço, ou do campo indígena peruano dos anos 80, no qual deitou raízes o Sendero Luminoso. Esses fenômenos estão ausentes do Brasil atual em virtude, antes de tudo, da presença do MST. Rubens Ricupero registrou que a marcha dos sem-terra "se cumpre debaixo da mais implacável malevolência de quase toda a imprensa". De fato, o MST é a "bête-noire" da mídia, que se eriça inteira quando vislumbra uma ameaça à sacrossanta instituição da propriedade privada. O fogo de barragem da má-fé ofusca os fatos: o MST desvia para a redoma da política democrática o potencial de violência imanente à modernização acelerada, conservadora e excludente da agricultura brasileira. Mas o MST não é imune à dissolução das esperanças depositadas pelo povo pobre no governo Lula. A organização dos sem-terra, que apóia o governo, enfrenta tensões e divisões. Seu eventual fracionamento seria comemorado pelos tolos e pelos incendiários. ******************************** A VIOLÊNCIA DO LATIFÚNDIO Laerte Braga Os incidentes que marcaram o fim da marcha do MST a Brasília, nem a imprensa costumeiramente crítica do movimento conseguiu disfarçar a provocação da PM de Brasília. O JORNAL DO BRASIL afirma textualmente em sua edição de 18 de maio que doze agentes da PM se infiltraram entre os trabalhadores sem terra e começaram uma briga. A senha para a boçalidade patrocinada e determinada por Joaquim Roriz. As polícias militares em todos os estados da dita Federação são braços do latifúndio. A esmagadora maioria dos crimes contra líderes sem terra, ou sindicalistas em todo o País tem policiais militares envolvidos. O massacre de Eldorado do Carajás foi uma ação conjunta de PM e pistoleiros do latifúndio, até hoje impune. A PM do Paraná, sobretudo no governo Jaime Lerner, produziu chacinas e assassinatos com requintes de barbaridade na repressão aos trabalhadores sem terra. Um oficial PM de Brasília, pouco antes da briga provocada por seus esbirros, andou dizendo aos quatro cantos que a vaia dada à PM não podia ficar impune, pois se tratava de uma instituição. Mais apropriado seria dizer um sindicato do crime. Em Minas, há alguns atrás, esse tipo de atitude foi batizada de meganha, apelido até hoje conferido a soldados PMs. Por ser PM ninguém “me ganha”. O clássico “teje preso, sou autoridade”. Por trás dessa violência da PM de Brasília estava o interesse do latifúndio e o latifúndio controla as PMs, de criar a sensação de desordem, de bagunça, temerosos da repercussão internacional da marcha. Os principais meios de comunicação de países europeus, nos EUA inclusive, abriram largas manchetes, grandes reportagens sobre a marcha, seu caráter pacífico e o imenso poder de mobilização do MST. É possível até que o ministro Roberto Monsanto Rodrigues vá mandar bisbilhotar através de setores de inteligência da UDR (União Democrática Ruralista) que funcionários do seu Ministério, o da Agricultura, saudaram a marcha com uma chuva de papéis picados. PMs com a estrutura paramilitar que dispõem são uma aberração mesmo no conceito de democracia de Miss Condoleeza Rice e apesar de Guantánamo. Governadores de estados, em boa parte, históricamente, são vinculados ao latifúndio. Quando não são latifundiários. O coronel Pantoja, principal pistoleiro de Eldorado do Carajás, havia servido no gabinete do então governador, Almir Gabriel quando esse era senador. Era um dos assessores. Integrava a grande família do Congresso Nacional. Deus, pátria e família, deve ser esse o lema de Severino e assemelhados. O Deus deles, a pátria deles, a família deles. A primeira constatação ao término da caminhada dos sem terra é sobre o poder dos movimentos populares. Cria uma exigência para os próprios. A que torna inaceitável o processo institucional, principalmente, quando depois do magnífico espetáculo de Brasília, vem o paladino da moral e dos bons costumes, Severino Cavalcanti, dizer que Roberto Jéferson não tem culpa, contra ele não existem provas. O que MST e Via Campesina mostraram foi que é possível tomar o poder nas mãos e fazer história. ******************************** MST E OUTRA HUMANIDADE É POSSÍVEL Leonardo Boff* Que o Movimento dos Sem Terra (MST) luta pela reforma agrária todos sabemos. Que para ele Terra não é apenas, como quer a cultura capitalista, meio de produção, mas é muito mais, é nossa Casa Comum, está viva, com uma comunidade de vida única e que nós somos seus filhos e filhas com a missão de cuidar dela e de libertá-la de um sistema social consumista que a devasta, isto é surpreendente. Este é seu sonho maior, expressão do novo paradigma civilizatório emergente. Ele deixa para trás muita inteligência acadêmica que se orienta exclusivamente pela razão instrumental-analítica, funcional ao modo de produção atual que está ameaçando o futuro comum da Terra e da Humanidade. Captar esta novidade do MST e da Via Campesina é captar sua força de convocação para o Brasil e para toda a sociedade mundial Eles se encontram na ponta da visão alternativa de que outra humanidade é possível. Com suas práticas não obstante aqui e acolá as contradições inerentes ao processo histórico, estão mostrando sua viabilidade. Basta observar, com olho isento, o que dizem, como se organizam e o que fazem. As vítimas da ordem vigente dão corpo a um sonho novo. Há dias, eu e minha companheira Márcia que apoia o MST desde sua fundação no acampamento Ronda Alta-RS, pudemos participar da marcha de Goiânia a Brasília. Foram dois dias de convivência e de marcha com aqueles 12.272 caminhantes. Precisa-se de muita acumulação de consciência solidária, de disciplina e de sentido do bem comum para fazer funcionar esse processo popular multitudinário com mais perfeição que uma escola de samba carioca. Nem falemos da comida pontualíssima, da montagem e desmontagem das barracas, da água potável abundante e do serviço sanitário. A preocupação ecológica era quase obsessiva. Se alguém, no dia seguinte, quisesse saber onde acamparam aqueles milhares, não o saberia porque a limpeza era tão minuciosa que sequer um réstia de papel ficava para trás. Entre os objetivos explícitos da caminhada, além da reforma agrária e da discussão de um projeto popular para o Brasil, havia o de "desenvolver atividades de solidariedade para fortalecer a luta e os sonhos do povo". Em função disso, por mais de duas horas, à tarde, promoviam-se palestras transmitidas pela rádio interna, seguidas de grupos de discussão. A mim me foi pedido falar sobre a nova visão da Terra e como cuidar dela à luz das sugestões da Carta da Terra. Passando pelos grupos vi a seriedade com que se discutia. Mas não só. A marcha se propôs "resgatar e promover a cultura brasileira através de canções, poemas, teatros e outras manifestações típicas do povo". Ao sermos acolhidos em sua barraca pelo grupo de Paraná (mais de 800 pessoas) ouvimos canções e poemas de rara beleza. Uma estrofe dizia: "ouçam a harmonia de igualdade do homem pobre." Se o sistema nos atordoa, por todos os meios, com palavras "acumulação, consumo, riqueza, prazer" aqui o que mais se ouvia era "solidariedade, cooperação, justiça, homem e mulher novos, nova Terra". Quem está no melhor caminho? Eu matutava comigo mesmo: seguramente Marx, Lenin e Mao jamais pensaram num tipo de revolução que fizesse esta síntese tão feliz entre luta e estudo, caminhada e festa. Um movimento que incorpora poesia e música será invencível. O MST nos dá sinais de que outra humanidade quer emergir . * Escritor e Teólogo
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