MST Comemora 20 anos - 23/1/2004



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MST comemora 20 anos
Atualizada em 23/1/2004

Luta, dignidade e conquista marcam a história de resistência do maior
movimento social da América Latina

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra está em festa. São 20 anos de
luta pela Reforma Agrária e pela busca de igualdade e justiça social.
Trabalhadores rurais de 23 estados brasileiros estão reunidos em São Miguel
do Iguaçu, no Paraná por ocasião do XII Encontro Nacional do MST, que teve
início no dia 19 e segue até 24. O encontro está sendo realizado no
assentamento Antônio Tavares, ex-fazenda do extinto Banco Bamerindus. Este
período marca o aniversário do Movimento que teve sua fundação em Cascavel,
no Paraná, em 1984. Cerca de 1200 pessoas, entre militantes e colaboradores
do Movimento, avaliam a luta pela Reforma Agrária e os desafios que se
apresentam na atual conjuntura.

Na cerimônia de abertura uma celebração relembrou a dura história da luta
pela terra de milhares de sem terra no decorrer dos 20 anos. Lideranças
históricas do Movimento e representantes de entidades nacionais e
internacionais reafirmaram os princípios e objetivos da luta do povo, além
de homenagear os lutadores e organizações dos quais o MST é fruto.

O evento contou com a presença de personalidades como Anita Freire, viúva do
pedagogo Paulo Freire, um dos maiores colaboradores e defensores na
construção do MST; Elizabete Teixeira, dirigente das Ligas Camponesas, hoje
com 79 anos, reprensentou as lutas que antecederam o Movimento; bispo D.
Orlando Dotti, da CPT; o belga Dirk Habib, representando os comitês de apoio
internacional; Luiz Marinho, da CUT; Maurício de Andrade, da Ação Cidadania;
Luiza Kurrín, da Via Campesina Internacional; representante da Pastoral
Luterana e UNE; Nalú Faria, da Marcha das Mulheres e João Pedro Stédile, da
Coordenação Nacional do MST. Na ocasião todos reforçaram a solidariedade e o
apoio à luta dos trabalhadores rurais.

Durante o discurso de abertura, João Pedro Stedile, enfatizou que só se faz
Reforma Agrária por meio da luta coletiva e de massa, ³a única coisa que
pode mudar a sociedade é povo organizado.

Ele mostrou que no início os trabalhadores achavam que bastava conquistar a
terra. Depois perceberam que existem outras cercas no caminho. ³Não basta
derrubar as cercas e conquistar a terra. É preciso derrubar as da
ignorância, do capital e, de dois anos para cá, descobrimos que é preciso
também derrubar mais uma cerca: a da tecnologia das multinacionais que nos
impõe as sementes transgêncicas. Se perdemos o patrimônio das sementes, de
nada adiantará conquistarmos a terra e o capital. Aqui no Brasil, o camponês
tem que lutar contra os transgênicos, nem que tenhamos que ir à guerra.²

Para finalizar, Stedile reforçou que o Encontro deve servir para compreender
o momento político atual e afirmou que o MST está diante de desafios muito
maiores, sendo preciso ajustar, cada vez mais, as lutas do Movimento com a
agenda de outros setores da sociedade.

A história do assentamento onde está sendo realizado o Encontro acentua mais
a simbologia da evolução do Movimento. A área de 1098 hectares era uma
antiga propriedade que pertencia ao dono do Banco Bamerindus e que foi
ocupada pelo MST para evitar que a fazenda entrasse com preço
sobrevalorizado como parte do pagamento da dívida do banco à União, quando
este faliu em 1997.

A desapropriação só veio definitivamente em 2002, quando o Banco Central
transferiu a fazenda para o Incra, disponibilizando a terra para a Reforma
Agrária. Idelmar Gonçalves da Silva, morador do Assentamento, comemora a
desapropriação da fazenda. ³O assentamento é uma conquista e uma referência
para quem nos apoiou, ainda mais depois de oito anos de governo Jaime
Lerner, quando os sem terra eram liquidados².

Para João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do MST, o retorno à
região sudoeste do Paraná, tem uma carga simbólica muito forte. ³Retornar a
esse local após 20 anos simboliza conquistas da luta pela terra. Para se ter
uma idéia, hoje, nos nossos quase cinco mil assentamentos nenhuma criança
passa fome. Poder completar 20 anos aqui nos anima para a lutar por mais
100², comemora Rodrigues.

História

Em 1984 um grupo de 80 representantes de organizações camponesas de 13
estados brasileiros se reuniram em um igreja próxima à cidade paranaense de
Cascavel entre os dias 20 e 24 de janeiro. Nessa reunião foi decidida a
criação de um movimento nacional que reunisse os camponeses que desde o fim
dos anos 70 vinham se organizando para reivindicar o acesso à terra que lhes
havia sido tirada pelo processo de mecanização que vinha transformando a
agricultura brasileira ao longo da última década. Esses camponeses, que já
vinham sendo chamados de ³sem terra² pela imprensa decidiram incorporar a
expressão ao nome do movimento e assim fundaram o MST. Hoje, o Movimento
conta com cerca de 350 mil famílias assentadas e aproximadamente 150 mil
vivem em acampamentos. Considerando que a média da família brasileira é de
quatro pessoas, os militantes do MST chegam quase dois milhões de pessoas.

Geração de trabalho e renda com a Reforma Agrária

³Os números mostram que a Reforma Agrária é uma solução para o desemprego no
Brasil², afirma Ariovaldo Umbelino, professor da USP e doutor em Geografia.
Para ele ³o cumprimento da meta estabelecida pelo presidente Lula no segundo
Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) de assentar 500 mil famílias até o
final de 2006 poderá gerar 2,5 milhões de empregos no campo. De acordo com
dados do IBGE o custo para se gerar um emprego numa indústria automotiva é
de 50 mil dólares e o custo para a geração de um posto de trabalho no campo
é de 1500 dólares. Além disso, ainda segundo o IBGE, a Reforma Agrária
elevaria a renda do trabalhador rural, que hoje vive com menos de um salário
mínimo para três salários mínimos².

Além dessas vantagens, o professor Umbelino lembra ainda que a pequena
propriedade (até 200 ha) é responsável por mais de 70% dos suínos, aves,
leite, ovos, cacau, banana, feijão, mandioca de toda a produção nacional.
³As pequenas propriedades respondem por 35% da produção nacional mesmo da
soja ­ que é o primeiro produto da pauta de exportação no Brasil.² Enquanto
isso, dados do IBGE apontam a improdutividade das grandes propriedades (com
mais de 2 mil ha). O latifúndio produz apenas 22% da carne bovina, 9% dos
ovinos, 2%dos suínos, 1% das aves, 15% do algodão, 33% da cana-de-açucar,
22% da soja, 2% do café, 11%do cacau, 5%do feijão e 1% da mandioca. Umbelino
ressalta a importância da renda gerada nas pequenas propriedades. ³Do total
da renda gerada por toda a agropecuária brasileira, 56% é gerada na pequena
propriedade, 30% na média e apenas 14% na grande.²

No MST existem mais de 500 associações de produção, comercialização e
serviços; 49 Cooperativas de Produção Agropecuária (CPA), com 2299 famílias
associadas; 32 Cooperativas de Prestação de Serviços com 11174 sócios
diretos; duas Cooperativas Regionais de Comercialização e três Cooperativas
de Crédito com 6521 associados.

São 96 pequenas e médias agroindústrias que processam frutas, hortaliças,
leite e derivados, grãos, café, carnes e doces, além de diversos
artesanatos. Tais empreendimenos econômicos do MST geram emprego, renda e
impostos beneficiando indiretamente cerca de 700 pequenos municípios do
interior do Brasil.

Educação

Aliada à produção está a educação: cerca de 160 mil crianças estudam no
Ensino Fundamental nas 1800 escolas públicas dos acampamentos e
assentamentos. São cerca de 5 mil educadoras/es pagos pelos municípios ou
estados que desenvolvem uma pedagogia específica para as escolas do campo. O
setor de educação atua ainda na educação infantil (de 0 a 6 anos), contando
hoje com aproximadamente 500 educadores/as. O MST desenvolve um programa de
alfabetização de aproximadamente 30 mil jovens e adultos nos assentamentos e
acampamentos. Para desenvolver todo esse trabalho o MST conta com o apoio do
Pronera (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária), do INCRA/MDA e
do Programa Brasil Alfabetizado, do MEC. Além desses, o Movimento é apoiado
pela Unesco, Unicef e por mais de 50 universidades.

Atualmente existem 1500 estudantes do MST em cursos de ensino médio e
superior. Há também a formação de técnicos em administração de
assentamentos, cooperativas e em magistério para colaborar com o trabalho
desenvolvido nos assentamentos através do Instituto de Educação Josué de
Castro, e Veranópolis (RS). 750 militantes do MST estudam em cursos
universitários. Desses, 58 cursam medicina em Cuba.

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