Brasil : Crise do Estado e violência urbana



Luciano Siqueira
La Insignia. Brasil, novembro de 2003.
http://www.lainsignia.org/2003/noviembre/ibe_045.htm

Especialistas e gestores públicos debatem, no seminário Municípios no
Sistema Único de Segurança (SUSP) - Brasília, 10 a 12 últimos - os impasses
do atual sistema de segurança em face da escalada da violência urbana. Ao
evento, patrocinado pelo Ministério da Justiça em combinação com a Frente
Nacional de Prefeitos, a Confederação e a Associação Brasileira de
Municípios, o vice-prefeito do Recife comparece na condição de expositor do
tema Políticas Sociais e Urbanas Integradas para a Prevenção da Violência
Criminal.
O foco do seminário é a inserção das Prefeituras no SUSP, incluindo o papel
das Guardas Civis Municipais. Duas tendências logo se explicitam: uma,
reducionista, prima pela aceitação a priori de que o município tem o dever
irrecusável de enfrentar o desafio da segurança pública, aliando a Guarda
Municipal (armada) às Polícias Civil e Militar em ações repressivas. A outra
examina o problema sob prisma amplo e sistêmico e alerta para o risco de se
cair na armadilha das medidas emergenciais, em prejuízo de soluções de médio
e longo prazos.
Onde está o cerne da polêmica? Exatamente no fato de que os impasses do
sistema de segurança, guardadas as suas peculiaridades, refletem, em última
instância, a crise do Estado brasileiro, tanto quanto múltiplos são os
fatores causais do incremento da violência criminal - da miséria à
impunidade, passando pela falência do modelo vigente e pela conversão da
violência em mercadoria lucrativa, seja pelas empresas privadas de
segurança, seja pela mídia. Canais de TV e redes de rádio, jornais e
revistas, atraem audiência e leitores (e anunciantes) explorando o tema em
tom sensacionalista e rasteiro - ambos aferem lucros imensos.
Os prefeitos, por seu turno, temem que venha aí mais uma transferência de
atribuição ao poder local, sem o necessário respaldo financeiro. Há, como se
sabe, uma crise de financiamento do Estado nos seus três níveis - associada
tanto à partilha desigual do bolo tributário (menos de 14% ficam no
município), como à incapacidade de a União investir em políticas sociais
básicas devido aos constrangimentos do alto superávit primário acordado com
o FMI.
O debate avança, e a relação entre o setorial e o estrutural se faz
recorrente - quase que à revelia dos participantes. Não há como escapar. Se
correr o bicho pega; se ficar, o bicho come. A conclusão é inevitável:
precisamos, sim, reformar o sistema de segurança pública. Mas isso há que se
fazer como parte da reestruturação do Estado nacional e de um novo pacto
federativo.