Brasil: Entrevista com Miriam Prochnow: Onde está a política ambiental?



27 de outubro de 2003

Marcelo Medeiros
Rits. Brasil, outubro de 2003.

No dia 20 de outubro, 500 ONGs ambientalistas, por intermédio das redes que
compõem, enviaram ao presidente Lula uma carta solicitando medidas urgentes
para garantir a sustentabilidade do país. As organizações temem que as obras
anunciadas no Plano Plurianual (PPA) de 2004-2007 prejudiquem o meio
ambiente, principalmente na região Amazônica, além de se declararem
inconformadas com a expansão da fronteira agrícola para área de floresta no
norte do país, com a liberação de plantio de transgênicos, entre outros
assuntos.
Para as organizações, essas medidas contrariam o programa de governo
apresentado na eleição e estão "provocando a erosão da imagem e da
credibilidade do governo junto à opinião pública, dentro e fora do país". A
Rets entrevistou Miriam Prochnow, coordenadora da Rede de ONGs da Mata
Atlântica, uma das organizações signatárias da carta, para saber quais são
suas reivindicações. Apesar da confiança depositada na ministra do meio
ambiente, Marina Silva, Prochnow afirma que "não tem havido o esforço
pregado no plano de governo". O maior problema apontado pela ambientalista é
a relação entre o "núcleo duro" do governo e o ministério, que não estariam
conversando. "Como podemos cobrar se não há recursos?", pergunta.


Rets - A carta foi escrita, entre outras razões, para alertar o governo
sobre os riscos que as obras previstas no PPA podem trazer para a
sustentabilidade do país. Que riscos são esses?
Miriam Prochnow - O que vemos no plano é a retomada de várias obras de
infra-estrutura de grande porte, entre elas a BR-163, que corta a Amazônia e
a liga ao Pacífico, e o asfaltamento da Cuiabá-Santarém. São grandes obras
que trazem risco para o "arco do desmatamento" (região de floresta do Pará,
Mato Grosso e Rondônia) e abrem mais um flanco para as grandes plantações de
soja na Amazônia, que era a única região ainda livre dessa cultura.
Em relação à Mata Atlântica, bioma com o qual estou mais familiarizada,
falta investimento. Falta também uma política específica para esse bioma.
Não tem a ver com o PPA, mas, sim, com o Projeto de Lei da Mata Atlântica
[originalmente 3.285/92, agora 285/99], que está tramitando há 11 anos na
Câmara. Não tem havido o esforço pregado no plano de governo, que colocava o
meio ambiente como prioridade.
A questão que avaliamos como mais grave é a relação entre o Ministério do
Meio Ambiente (MMA) e o "núcleo duro" do governo. O ministério sofreu os
maiores cortes, o que o torna inoperante, apesar de outras pastas também
terem tido poucas verbas. Como podemos cobrar se não há recursos? O meio
ambiente não é prioridade desse governo, apesar do apoio que damos à Marina
Silva. A transversalidade que havia sido pregada não tem sido implementada.
Rets - O governo já pode ser considerado uma decepção ou ainda é preciso dar
o tempo pedido pelo Presidente para que as melhorias ocorram?
Miriam Prochnow - Esperamos que as melhorias aconteçam, mas a carta pede
providências para os próximos meses. Acreditamos que a Marina esteja dando o
melhor de si, mas o presidente não a ouve. É preciso colocar esse governo no
trilho. A retomada do programa de enriquecimento de urânio, de compra de
pneus velhos, a liberação dos transgênicos, são decisões que pareciam
superadas. Ou o governo senta e discute a política ambiental com a
sociedade, ou não temos como ter esperança de melhoras.
Rets - Que providências poderiam ser tomadas?
Miriam Prochnow - Primeiro, gostaria de saber o que foi feito com os
programas ambientais do governo. O núcleo duro não conversa com o MMA. É
melhor dizer que o programa foi para a gaveta para não falar que foi jogado
no lixo. Pelo menos por enquanto não acreditamos que ele tenha ido para o
lixo. Rets - É possível dizer então que a política ambiental está sofrendo
um retrocesso? Miriam Prochnow - É complicado dizer. Nunca tivemos pessoas
tão bem preparadas no Ministério do Meio Ambiente, mas elas não estão
conseguindo fazer nada. Rets - Uma das propostas do governo para impulsionar
o desenvolvimento do país é fazer diversas parcerias com a iniciativa
privada nas obras de infra-estrutura. Isso pode afetar a consideração de
fatores ambientais na análise dos projetos? Miriam Prochnow - A proposta de
parcerias com a iniciativa privada me parece lógica. Ela não seria ruim se
ao mesmo tempo se levasse em conta a questão ambiental e o respeito à
legislação. Não importa a parceria, desde que se cumpra a lei. Até porque
parte do empresariado está começando a considerar os fatores ambientais em
suas ações. As grandes obras continuarão a ser feitas, não existe a
possibilidade de elas não acontecerem, mas devem respeitar a legislação.
Rets - O que essas obras deveriam levar em conta?
Miriam Prochnow - São projetos estratégicos. O Ministério do Meio Ambiente
fez mapeamento de áreas prioritárias, onde há muito a ser feito pela
biodiversidade. Basta analisar o impacto que o próprio governo estimou. É
uma contradição o governo apontar os impactos e também ignorá-los. No caso
da Mata Atlântica, se levarmos em conta que só existe 7% da área original, é
importante não levar adiante projetos nessa área. O Código Florestal, que
data de 1965, diz que essas regiões devem ter ao menos 20% de reserva legal.
A manutenção de 7% é um ato acintoso de desrespeito à lei.
Rets - E a reação da ministra Marina Silva?
Miriam Prochnow - Acho que ela está fazendo o máximo que pode e tenta
administrar a contradição em que está o governo. O MMA já fez boas coisas,
como ter agilidade para fechar a Estrada do Colono, no Parque do Iguaçu [no
Paraná], e o encaminhamento do acordo Brasil-Alemanha (verba de R$ 240
milhões), que permite a implantação de programas de preservação na Mata
Atlântica e outros biomas. Houve também empenho na criação de novas áreas de
conservação e do Grupo de Trabalho da Mata Atlântica, uma antiga
reivindicação nossa. O problema é que isso não reflete na política "macro".
Rets - Uma reação mais enérgica não seria necessária nesse momento?
Miriam Prochnow - A reação mais enérgica seria a saída da Marina, o que eu
não gostaria de ver. Quem entraria no lugar dela?
Rets - O governo prometeu se abrir à participação da sociedade civil. O
porta-voz da presidência, André Singer, afirmou no dia 21 de outubro que o
PPA foi discutido com mais de 100 ONGs em diversos fóruns regionais. Como é
essa participação?
Miriam Prochnow - Podemos participar de reuniões, mas isso não quer dizer
que o que a sociedade civil pensa está na política do governo. Nós
participamos de reunião, mas não concordamos com o que está aí.
Rets - Como melhorar a participação da sociedade civil no governo?
Miriam Prochnow - O governo deve começar a refletir sobre o que dizemos. Não
adianta o André Singer dizer que a sociedade civil participa das decisões ou
o [presidente do PT, José] Genoíno afirmar que nossas críticas não têm
fundamento, pois o que foi prometido não está sendo cumprido.
Rets - A carta afirma que os riscos para sustentabilidade podem trazer
riscos também para a política externa. Que conseqüências seriam essas?
Miriam Prochnow - O Brasil construiu uma imagem de maior cumprimento e
conciliação de legislação e projetos ambientais. Quando chegarem as notícias
de que isso não está sendo levado adiante, é possível que atrapalhe
negociações. Um exemplo é o PPG-7 (Programa Piloto para a Proteção das
Florestas Tropicais), que doa dinheiro para programas ambientalistas. Se um
programa como esse estiver parado, é óbvio que pode influenciar outros.
Rets - É possível atingir o "espetáculo do crescimento" proposto por Lula
levando-se em conta a questão ambiental?
Miriam Prochnow - Eu queria saber antes o que se entende por "espetáculo do
crescimento". Para mim, é qualidade de vida, não a instalação de fábricas
com subempregos. É preciso saber antes se queremos assistir a esse
espetáculo.